A menina e sua boneca

Existem algumas questões que nunca serão respondidas. É como uma equação que fica durante anos sem solução. Isso é a vida. Simplesmente sem respostas prontas, para perguntas muito antigas.

Naquela manhã, ele havia entrado na escola com a mesma preguiça de sempre. Bocejou, mais de uma vez, enquanto caminhava pelo estreito corredor até a sala de aula. Ao chegar lá, deparou-se com uma surpresa. Não seria uma aula normal, eles iriam fazer alguma coisa no pátio da escola.

O motivo da preguiça e da ida ao pátio era o mesmo: Estavam às vésperas de natal. Faltavam alguns poucos dias. Ao chagar no pátio, ele percebeu que havia uma caixa de brinquedos, onde uma das professoras entregava uns pacotes aos meninos e meninas que se aproximavam um pouco mais. Muito simples, é claro, os presentes eram dados à quem quisesse e tivesse a coragem de se aproximar.

Entre os poucos que se aproximavam, ele notou uma menina. De pele escura e aparência muito humilde, a menina recebeu em suas mãos, uma boneca bem mais simples que ela. Porém, sua reação, foi a melhor possível. Ele nunca vai se esquecer do rosto da menina ao receber o presente. Até porque, ao contrário dos outros que erguiam o nariz, e nem chegavam perto da caixa, a menina chorou ao abraçar sua mais nova amiga.

Foi zombada, é claro, por fazê-la. A crueldade das crianças não se compara a nada. Fizeram tanto, que até fizeram ela chorar. Mas dessas vez não foi de felicidade. Alguns foram além, tomaram-na a boneca e atiraram no chão com toda a força. Alguns insultos completaram a missão. Depois de muito fazer, as crianças a deixaram, para ir zombar de mais alguém. Vida difícil, lugar difícil, pessoas difíceis. Nada muito fácil de aguentar.

O menino então, caminhou até a boneca que ainda estava no chão, e a entregou à garota. Um "sinto muito" saiu automaticamente de sua boca. A menina chorando agradeceu e levantou-se. Ajeitou sua roupa, e continuou a vida. Teria de ser assim, mas os olhos traziam a raiva que poderia destruir qualquer ser humano. O menino notou isso, e se juntou a ela em seu caminhar até a casa.

No caminho, o ódio fez-se tristeza, e a indiferença tomou o lugar da raiva. Algumas palavras trocadas, e o menino, pôde compreender porque ela ficara tão feliz com o singelo presente: Era sua primeira boneca. Ao chegar na casa dela, percebeu o porquê. Ele nem sabia se poderia chamar aquilo de casa. Um barraco de madeira, de onde saíram algumas outras meninas. Ficaram tão felizes quanto ela ao ver o presente. O garoto espantou-se com o número de pessoas que moravam naquele estreito lugar. A menina, mesmo mais velha, tratou de despedir-se do menino e correu para as irmãs para brincarem por horas com a boneca. Aquela, antes rejeitada por outros, para ela, era o paraíso.

Ali o menino se perguntou: Por que poucos tem tanto, e tantos tem tão pouco? E porque aqui, mesmo sendo todos muito pobres, pouco são o que vivem de forma simples? O que há demais em ficar feliz com uma coisa tão pequena? Perguntas e mais perguntas. Ele não sabia respondê-las.

Por isso, levou uma vida diferente depois daquele dia. Ouvi dizer que até começou a escrever. Mas algo muito mais importante aconteceu naquele dia: Ele percebeu, o que muitos não precisam, a muitos é negado. É a vida. Triste, cruel, mas é a vida. O que ele pôde fazer, fez. Mas tem coisas que não podem ser mudadas, mesmo que ele tente. Mas isso não o impediu de tentar, tantas vezes quanto possível.