O sol naqueles olhos jabuticaba

Um casal, sentados lado a lado, no ônibus, trazia consigo uma pequenina menina: sua cabeça deitada no colo do pai, e o corpinho se estendia até o colo da mãe.

Vez ou outra o sol transpassava o vidro da janela e banhava seu rosto, fazendo-a cobrir os olhos com as mãozinhas, isso quando seu pai não protegia com suas enormes mãos, mãos de pai.

Certo momento, ela elevou seus olhos de jabuticaba para o teto do ônibus, depois pendeu um pouco a cabeça pra trás, e me viu. Ela franziu o cenho e ficou quieta, me olhando, tentando entender porque eu, uma estranha, sorria fixamente pra ela.

Meu sorriso dizia muito: olha, pequena, como seu sorriso é diferente do meu. Você é tão mais leve e despreocupada, e eu carrego tantos porquês, interrogações e emoções que tenho um sorriso brecado no meio do pátio escola. Escola da vida, onde quanto mais doer, mais difícil é para voltar a sorrir como antes, desse jeitinho meigo que tu faz.

Olha, menina, esse sol incomoda um pouco, não é? As coisas bonitas, às vezes, machucam, mas algumas delas valem a pena. Por isso, não se surpreenda se um dia você gostar de passar teu tempo encarando o sol, esperando que ele te olhe de volta.

Não estranhe se, como eu, você gostar de ouvir músicas no volume máximo, mesmo sabendo que pode desenvolver algum problema auditivo e que algumas dorzinhas já estejam dando sinal de alerta.

Algumas dores valem a pena, mas com isso não quero dizer pra você entregar tua alma ao primeiro gemido, não sacrifique seu bem-estar assim.

O que digo não é que você se permita doer só porque aquela coisa é bonita, mas que você possa ver a beleza do incômodo que a luz do sol provoca aos teus olhos. Que você veja o lado bom da coisa ruim, e que nunca sacrifique nada de si em prol de outrem - a não ser você mesma.

Você tem que sorrir o que tiver de sorrir, doa em quem doer! Afinal, bonita do jeito que é, não me surpreenderia que alguém olhasse teus olhos inocentes e lembrando de quando era pequena, te falasse dessa saudade através dum sorriso incontido, deixando claro ao se despedir que mesmo sabendo que você não entendeu muito do foi dito (porque só pendeu a cabeça pra trás pra tirar o sol do teu rostinho), essa pessoa faria questão de dizer “tchau, mocinha” com um sorriso pendendo para a seguinte frase:

Pode, inclusive, ignorar tudo o que foi dito.

Iasmim Santos
Enviado por Iasmim Santos em 18/03/2016
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