... A SÉTIMA...

Era uma pequena chácara. Houve um acordo verbal para que a minha família tomasse conta dela por tempo indeterminado. Pura generosidade do proprietário o qual não conheci, mas, que Deus o tenha onde estiver.

Minha mamãe Júlia Cecilia, e o papai Cícero Alfredo vieram para São Paulo com três filhos do Estado de Alagoas, precisamente de “União dos Palmares”, sendo que o mais novo tinha apenas dois meses de idade na época.

Juntos vieram todos os irmãos de mamãe e a mãe dela, os de papai, não. Por isso nunca os conhecemos e nem minha avó paterna. Papai era pequenino quando o pai dele faleceu. Ele nunca mais pôde voltar para visitar os familiares que deixara lá. (Que triste!).

Papai e mamãe, curiosamente, não tinham o sotaque nordestino como meus tios e tias. Eu adorava ficar ouvindo-os falarem com aquele som cantado, não sei. A fala deles tinha uma cadência diferente, um tom quente aconchegante; era como música aos meus ouvidos, sempre gostei.

Ao “me entender por gente” é que percebi que morávamos em um lugarzinho paradisíaco e, ainda, que eu possuía irmãs e irmãos mais velhos e mais novos do que eu.

Mamãe, durante a vida, trouxe treze filhos ao mundo, sendo que um morreu pequenino, viveu apenas quarenta dias e outro que também não vingou; sobraram, então, sete mulheres e quatro homens: onze bocas para serem alimentadas.

Papai trabalhava em serviços duros e pesados, como por exemplo, quebrar pedras com marretas e outras ferramentas rústicas e difíceis de manusear; fazia também enormes valetas para tubulação de rios, pois aqui a cidade ainda estava “nascendo”, portanto, precisava-se de mão de obra barata, e, assim sendo, meu pai e os meus tios engrossaram a multidão que vinham do Norte e Nordeste. (Naquela época não havia a tecnologia de hoje, portanto tudo era muito mais difícil).

Papai era, definitivamente, um homem da roça. Como ele gostava de plantar ajudava no orçamento da casa cultivando hortaliças naquele pedaço de terra nos domingos e feriados. Quantas coisas plantadas!

Tão caprichoso era ele! Lembro-me das saborosas batatas-doces, das canas macias, do feijão carioca e também de alguns pés de feijão Andu. A mandioca, o milho, e a bananeira enriqueciam aquele pedaço de chão. Mas o que eu adorava mesmo era ver dois pés de café floridos que ficavam perto dos limoeiros que exalavam aroma muito agradável. Havia também algumas espécies de favas que, muitas vezes, na refeição substituíam o feijão. Uma delicia, até me dá água na boca.

Por fim, havia um pé de amora gigante, não sei se foi ele que plantou ou nasceu sozinho ali. (Noutro dia eu conto o quanto ele foi importante na minha infância). Ah, já ia me esquecendo de falar nos pés de mamão que eram tão viçosos; até hoje tenho dúvidas se a terra era muito boa ou o capricho do meu pai que faziam aqueles pés serem enormes e quase perenes. Faltou mencionar o pé de chuchu onde, embaixo dele, minhas irmãs e eu brincávamos de casinha. Como os brinquedos eram escassos, pegávamos as espigas de milho para brincarmos de boneca. Nosso passa tempo preferido era fazer trancinhas nas espigas; era muito divertido! E perfeito!.

A horta com os seus belos canteiros de verduras enchiam os nossos olhos de alegria: alface, couve, almeirão, cebolinha, coentro, salsa, cenouras entre outras hortaliças. Meu pai plantava por prazer; dava gosto de ver. Nunca vendeu, sempre dava verduras a quem fosse ao portão. Os vizinhos que não iam buscar, ele ou mamãe ajeitava uns belos maços e íamos entregar.

Aguávamos a horta diariamente. Esse ritual era sagrado; salvo nos dias de chuva, é claro. Havia nas redondezas uns meninos que, interessados nas doces canas, vinham ajudar “voluntariamente”... Era uma ‘farra’ vê-los ir e vir de regadores. A água era de poço de mais de 20 metros de profundidade e o sarilho para puxar a água, tudo foi construído pelo meu pai!Esse serviço não era fácil, mas, o balde sendo pequeno, até criança podia puxar. Não havia riscos; tudo era muito seguro.

Depois de muito tempo papai modernizou o serviço. Construiu uma caixa de cimento perto do poço e colocou uma mangueira, (uma bela novidade), e pela lei da gravidade dava para molhar os canteiros. Precisava somente encher a “bendita” caixa. Papai e mamãe não sabiam ler e nem escrever, mas, muito sábios e inteligentes.

Quando era tempo de colher o milho e o feijão, fazia-se no meio do quintal uma roda de adultos e crianças em torno daqueles montes de cereais. Sentavam-se cada qual como podiam para manuseá-los. Que momentos Inesquecíveis! Quantas risadas! Papai contava histórias de Pedro Malazarte e tantas outras lendas maravilhosas que me faziam sonhar e até me arrepiava de medo com as de terror, como a da mula sem cabeça, por exemplo. Lá ia eu a outros mundos! Achava que tudo era verdade. As horas pareciam pequenas. Eu queria mais histórias, todavia, toda a safra era debulhada rapidamente. Para nós crianças era diversão pura. Mesmo morando em São Paulo tive meus momentos de roça!

Quantas lembranças! Saudades de tudo e de todos daquele tempo que, aos olhos de criança, eram momentos infinitamente mágicos.

Nasci naquele local e lá vivi por quinze anos. Fiquei muito triste quando solicitaram a propriedade para loteá-la. Naquela localidade, agora, há várias casas.Em frente a minha morada havia um campinho de futebol ( faziam até campeonato de bairros), no qual foi construído um lindo grupo escolar de dois andares.Na parte de baixo foi construído um pátio, uma cozinha e uma enorme sala destinada à diretoria.Em cima,várias salas de aula. Um grandioso empreendimento para a época. Acreditam? Minha irmã mais velha casou-se exatamente com o jovem construtor desta obra, incrível!

Papai viveu 76 anos. Apesar da idade sempre se mostrou jovem, garboso e cativante.Ninguém dizia que tinha esta idade. Faleceu sem sequer um fio de cabelo branco. Mamãe foi ao encontro dele em março de 2.014, com 87 anos. Também não aparentava essa idade.Os cabelos estavam começando a “pintar”.Uma mulher delicada, porém, forte, guerreira e de muita fé.Ela sempre dizia: “Faça a sua parte e o resto Deus proverá”.

Pela vida a fora me esforço para ter um pouquinho da perfeição que via nos meus pais. Quão agradecida sou a Deus por tê-los como meus progenitores. Amados e saudosos papai e mamãe, que saudades!

Uma coisa curiosa: eu tenho dez anos a menos que a minha irmã mais velha e dez anos a mais que minha irmã caçula; tem coisa que não dá para explicar.

Sou eu a “sétima” dos filhos, contando seis de cima para baixo e seis de baixo para cima. Estou no meio, como se fosse uma ponte entre eles. Nasci no dia 25 que dá um '7', número de alma '7', número chave '7'. (Número cabalístico este ‘7’). Muito há para dizer sobre este número, mas,fica para outra hora.

Sou deveras observadora. Sempre pressenti tudo muito profundamente. Muitas vezes, quando adolescente, não sei por qual razão, percebia os sentimentos de todos que me cercavam. Chegava a ser quase palpável; sabia quem estava feliz ou triste mesmo que disfarçassem. Não sou especial; tenho nada de especial, apenas, fui escolhida pelo destino para ser a sétima. Por quê? Não sei. Só sei que amo a vida, gosto do que sou, e amo SER MULHER!

-SP - Ly -

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Imensamente Agradecida aos Poetas: Santo Bronzato e Jajá de Guaraciaba que tão generosamente me ajudaram. ( Confesso, sou péssima em virgulas, e etc...), rsrsrs; portanto, estas ajudas foram de grande valia para esta publicação. GRATIDÃO.

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FELIZ OUTONO A TODOS,

"QUE ESTEJAMOS PRONTOS PARA DEIXAR AS FOLHAS

SECAS SEGUIREM SEU CICLO". -Ly-

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Lydiene Maryen
Enviado por Lydiene Maryen em 21/03/2016
Reeditado em 16/05/2019
Código do texto: T5579986
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