Os Táxis de São Paulo São Brancos

Escolhera branco, branco como a neve que cobria o peito dela, branco como a pele de quem ouvia a história daqueles últimos meses, meses que pareciam anos, anos que colecionava na carteira de identidade, escolhera branco porque gostava, porque não precisaria esperar muito para retirar o veículo, branco porque era a cor da paz que precisava, da paz que tanto queria, por isso escolhera branco.

Sabia que o branco, como das nuvens que cobriam os céus nos raros dias bons, que branco era a cor dos veículos de emergência, aqueles desesperados que cruzam as veias das cidades, com pacientes brancos pelo último suspiro, com parentes brancos de desespero, com médicos brancos de tensão, em veículos brancos estridentes, gritantes pelas veias das cidades, apurados pela emergência, brancos pelo susto da pressa, brancos pela corrida contra o tempo, o tempo de nuvens brancas que cobriam os céus nos raros dias bons.

Branca também era a cor dos veículos de passageiros naquela cidade, terra de passagem entre o passado de sonhos e o futuro de realizações, branca também era a cor dos holofotes do futuro tão sonhado, a cor do momento em que poderia se acalmar, quase parar, desligar o acelerador daquela cidade, terra de passagem, daquela vida passageira que havia escolhido, em busca daquela cor branca dos holofotes do sucesso, que trariam a branca paz que todos buscamos um dia.

E foi naquela tarde branca, dentro daquele carro branco, em frente ao shopping chique, terra de brancos, em que uma luz branca ofuscou os olhos brancos da garota, momentos antes do rapaz todo de branco entrar no carro, o veículo branco que esperava na frente do shopping de brancos, veículo branco como os carros de passageiros daquela cidade, terra de passagem, de vidas passageiras, terra de brancos que procuram a luz branca dos holofotes do sucesso, a branca paz que todos buscamos um dia, um sucesso só para brancos.

A roupa dele era branca, como a dos médicos dos veículos de emergências, veículos brancos que cruzam as veias das cidades, com pacientes brancos pela morte, com parentes brancos de depressão, com médicos brancos de cansaço, em veículos brancos estridentes, pelas veias da cidade passageira, de brancos que estavam ali de passagem, como ele, apurado pela emergência, em busca da luz branca dos holofotes, que aquela roupa branca e o suor na cidade passageira trariam, com certeza, como trariam também a branca paz que todos buscamos todo dia.

Ele falou da Alameda Casa Branca, era lá para onde queria ir, bairro de brancos naquela cidade de vida passageira, terra de holofotes de luzes brancas, de quem ainda lutava naquela cidade grande de passagem, de quem chegara aos holofotes de luzes brancas, mas ainda buscava a branca paz que se busca todo dia, porque os holofotes ainda não eram suficientes para acalmar os rostos brancos de cansaço, rostos brancos de desespero, naquela tarde, como em todas as outras, de nuvens brancas.

Ela acelerou o carro branco, branco como os veículos de emergência e de passageiros que cruzam as veias brancas daquela cidade passageira, ela, que estava ali de passagem, como ele, como todos nós, brancos, em busca dos holofotes brancos do sucesso.

A garota branca, de cabelos louros quase brancos, reparara na roupa branca de emergência do rapaz, branco como doutores diplomados de prédios brancos de emergência, de salas verdes e azuis, roupas brancas que dão lugar a tecidos verdes e azuis, roupa branca símbolo do sucesso, aquele sucesso dos holofotes de luzes brancas, que trariam a branca paz que se busca sem sucesso todos os dias, em cidades passageiras como aquela, de veias abertas.

Reparara no sorriso branco do rapaz, que combinava com aquela roupa branca de emergência, que combinava com as nuvens brancas daquele fim de tarde, que combinava com os faróis dos veículos coloridos que cruzavam o caminho no crepúsculo, que combinavam com as luzes brancas dos postes, que iluminavam as veias abertas daquela cidade passageira, luzes brancas de postes que iluminavam o caminho rumo às luzes brancas dos holofotes do sucesso.

As faixas brancas, das ruas negras daquela cidade passageira, das veias abertas pela busca do sucesso, pela busca das luzes brancas dos holofotes, passavam por baixo daquele carro branco, branco como os veículos de passageiros e como os veículos de emergência, que cruzam as veias abertas da cidade, com pressa para seguir os caminhos iluminados pelas luzes brancas dos postes, de uma cidade construída pelos negros, pelo suor dos negros, para a passagem dos brancos, que buscam a luz branca do sucesso.

Conversaram no caminho, ela branca de emoção, porque o branco do sorriso dele, e as palavras que saíam daquele sorriso branco, daquele rapaz de roupa branca, traziam uma paz branca naquele peito de neve branca, trazia uma calma de tardes agradáveis de nuvens brancas, desligava aquela pressa da cidade passageira, acalmava os veículos brancos de emergência, brancos como o veículo dela, brancos como os veículos de passageiros, que cruzam as veias da cidade com pressa, com pressa de chegar aos holofotes de luzes brancas de sucesso.

Chegaram à Alameda Casa Branca, bairro de brancos de sucesso, brancos que ainda buscam a paz branca de todo dia, que estão cegos pelas luzes brancas dos holofotes do sucesso, chegaram ao destino da corrida, maratona diária sem fim rumo à paz branca que buscamos dia a dia, chegaram ao edifício branco onde o rapaz de roupa branca desceria do carro branco, para seguir sua vida passageira, buscando a luz branca dos holofotes do sucesso.

- Quanto é?

Por mais que o veículo fosse branco como os brancos veículos de passageiros, que cruzam as veias daquela cidade passageira, por mais que o branco daquele carro fosse o mesmo branco dos carros que levam as vidas passageiras pelas veias e caminhos rumo à luz branca dos holofotes de sucesso, aquele veículo branco, o dela, não era um veículo de passageiros, como os outros, que cruzam as veias de passagem pela cidade da pressa.

O rapaz de branco sorriu, com dentes brancos, aquele branco que ela tanto olhara no caminho rumo ao destino do rapaz de branco, que trouxera a branca paz para o coração de neve branca da garota, branca como a pele de quem ouvia a história daqueles últimos meses, meses que pareciam anos, anos que colecionava na carteira de identidade.

Namoraram e se casaram. Sempre em busca da paz branca e das luzes brancas dos holofotes de sucesso que ligam e desligam, em cidades de vidas passageiras, com pressa, sempre sem tempo para se apreciar as nuvens brancas dos céus, as luzes brancas dos postes, as faixas brancas do asfalto negro, as luzes brancas dos caminhos que nos levam dia a dia, em carros brancos de passageiros, ou carros brancos de emergência, ou carros coloridos do dia a dia, da vida passageira, rumo a shopping brancos, edifícios brancos de emergência, prédios brancos na Alameda Casa Branca.

Daguito Rodrigues
Enviado por Daguito Rodrigues em 22/03/2016
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