Um pedacinho da infância.

Guardo uma velha lembrança do início escolar, com quatro anos, pertinho da minha primeira casa, na Espanha. Um colégio marista onde todos os professores eram padres, mas já nem todos usavam batina, os mais jovens andavam de terno preto, com gola sobre o colarinho branco dos votos. Não faz muito tempo, passei pelo portal e me veio a recordação, não havia como não parar por um instante. Um colégio de séculos passados, que já descrevi em outro artigo.

Essa lembrança é até engraçada, eu sempre pedia para ir ao banheiro fazer cocô, e um jovem padre me levava pela mão até o andar superior, e ficava pacientemente sentado a minha frente, com os cotovelos apoiados nos joelhos, e as mãos em concha, segurando o queixo, enquanto com um olhar de cachorro cansado, me perguntava de tempo em tempo ;" Já terminou ,Pepito ?" , e eu com as perninhas balançando, só respondia; " Todavia no señor cura". Haja paciência ! Acho que eu fui o primeiro martírio desse jovem marista.

As classes eram de pé direito alto, como tudo por ali, salas frias e meio escuras no inverno, iluminadas por grandes janelas cortinadas, a mesa do professor sobre um palco de madeira , que lhe permitia olhar até a última carteira. Carrancudo, olhar de águia, a espreita da caça para humilhar as pequenas crianças que se iniciavam no aprendizado. Uma vez fiquei de castigo , de cara para a parede, mas não liguei. As carteiras eram em duplas, por isso a palavra "colega" ( o que lê junto). Era um aluno razoável, meus pais entendiam que eu tinha pouca idade, os demais alunos já tinham cinco, e não forçavam além do necessário. As vezes esquecia parte do material debaixo da carteira, ou simplesmente não fazia o que me mandavam.

Um dia aquele jovem padre, o do "cocô", veio substituir a "águia velha", e eu fiquei feliz, ele era de fato muito paciente, e acho que o seu estágio havia começado comigo. Me viu e sorriu, acho que ele pensou " dancei, não vou me livrar desse cagão". Fato é que comecei a aprender, e me interessar mais pelo aprendizado.

Por toda a minha vida foi sempre assim, aprendi muito quando se mostraram capacitados a me entender, respeitar o meu tempo, e a minha pessoa. Passei para as demais pessoas o que havia aprendido, e sempre recebi elogios pela forma de ensinar. A gente não precisa ser brilhante ( nunca fui) , basta ter amor ao próximo, que o resultado acontece.

Aragón Guerrero
Enviado por Aragón Guerrero em 23/03/2016
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