Um lobo domesticado

Todo cachorro no fundo, é apenas um lobo domesticado. Convenci-me disso principalmente depois que comecei a ver como os cães se comportam ao passar em frente da minha casa e ver o nosso coelho: latem, rosnam e tentam avançar, como se pudessem derrubar o portão de casa. Nesse momento, deixam de ser animais domésticos e renasce neles o predador selvagem. Nesta última Páscoa, ainda bem cedo esta manhã, eu ouvi latidos escandalosos e fui verificar. Eram duas cadelas de olho no coelho que, muito próximo ao portão, observava-as com curiosidade enquanto elas queriam pegá-lo, ensandecidas. Eu apenas ri e disse:

-Vocês não pegam ele não, pegam ele não.

Meu coelhinho é inocente, não percebe que os cachorros que passam em frente de casa e querem fazer lanche dele são um perigo, visto que nunca precisou se defender nem correr por sua vida. Dessa forma, quando os cães se aproximam do portão, ele fica apenas curioso. Eu às vezes rio e faço caretas para os cães, dizendo:

-Esqueçam, não podem pegá-lo.

Há um dono de um belo husky que costuma passear por aqui e sempre diz para mim:

-Não sei como alguém tem coragem de pegar um animal tão lindo como um coelho para matar e comer, jovem.

O husky dele é extremamente manso a ponto de eu passar a mão nele mas, ao ver meu coelho, comporta-se como um verdadeiro lobo. Eu mesma disse isso uma vez para o dono:

-Veja, seu cachorro está querendo caçar meu coelho.

-É não, jovem. Ele é bobo. Só quer brincar.

-Mas todo cachorro é apenas um lobo domesticado, senhor. O cão tem 95% do DNA semelhante ao de um lobo e o husky, então, que é um lobo puro?

-Mas esse aí não tem nada de lobo.

Não falei mais nada, mas vi o olhar do belo husky sobre meu coelho: olhar de predador. Até mesmo o olhar da labradora de um menino que às vezes vem aqui brincar com o coelho se transforma quando ela vê o bichinho.

Tudo isto me faz lembrar o livro de Jack London que uma vez eu li: O chamado da selva, em que um cão doméstico, Buck, vai pouco a pouco retrocedendo à condição selvagem. No final, Buck reconhece apenas a lei da sobrevivência e observa que o ser humano, desprovido de armas, é totalmente patético e indefeso diante da natureza hostil. Na natureza, o animal é o senhor.

E vemos que o instinto selvagem ainda sobrevive dentro dos animais que consideramos domesticados.