impressões alheatórias de Santiago.

Compartilho com os leitores fatos alheatórios que vivi em minha recente viagem ao Chile. Durante a espera para embarcar no Aeroporto de Guarulhos, e durante a viagem, afinei o ouvido para ver se entendia o que os chilenos Falavam. Não entendi patavina, porque eles falam muito rápido. Porém depois de um dia na capital chilena, comecei a captar tudo o que diziam ao meu redor, ou quase tudo. Creio que meu ouvido educou-se ao ritmo da habla, digo, fala deles.

Gostei de Santiago. Bela cidade, limpa e organizada. A impressão é que as coisas funcionam bem. Por outro lado, é parecida com qualquer outra metrópole. Inclusive, no costume de parte da população comer sanduiches, ao invés de almoçar. Os sanduiches são enormes. O chileno come bastante. Nas refeições que eu fazia, normalmente sobrava comida. O que a diferencia são os costumes dos chilenos, sua culinária, o horário das refeições que vai das 12.30h as 16:00h e uma ou outra peculiaridade. No mais o que se vê é a correria típica das grandes metrópoles, e muito cimento para todos os lados.

Não sei por que, quando passeava pelas ruas da cidade em direção à Plaza de Armas, me veio à mente o tirano Pinochet. Pensei cruz credo, vade retro. Igualmente, pensei em quantas pessoas mandou executar? Quantas mulheres e homens ficaram viúvos? Quantas crianças órfãs? Quanto sofrimento impôs à população chilena? Coisas que não se explicam, tampouco agradam.

Mas o Chile também tem Gabriela Mistral e o grande Pablo Neruda. Visitei a Casa de Neruda em Santiago. Bela casa. Recheada de obras de arte do mundo todo. Além da poesia, das mulheres e da política, o grande poeta gostava de colecionar obras de arte. A casa situa-se em uma parte alta da cidade e tem três andares. Adicionado o espaço externo, parece uma pequena chácara. Dizem que fez a casa em parte alta, porque dali poderia ver o mar e a Cordilheira dos Andes. Isto antigamente, porque hoje os arranha-céus já não permitem mais tal visão.

Saindo da casa, resolvi parar em um bar no bairro de Baquedano para tomar uma cerveja, afinal de contas ninguém é de ferro. No bar fui atendido por um chileno de nome Marcelo Baiano. Disse-me que havia morado ano e meio em Salvador. Aliás, no Chile a gente tropeça em brasileiro a toda hora, alguns trabalhando, mas a maioria a passeio. O Clima no Chile estava parecido com o do Brasil, acima dos trinta graus. Nem no relógio precisei mexer, porque o fuso horário de Santiago, Valparaíso e Viña Del Mar coincidem com o de Curitiba. Inclusive, em muitos aspectos, achei Santiago parecida com Curitiba, salvo a singularidade dos costumes chilenos e a opulência de Santiago, afinal de contas trata-se da capital do país.

Visitei a Gran Torre no Shopping Costanera. Shopping luxuoso de cinco andares. A torre tem 300 metros de altura. Rendeu-me ótimas fotos e uma visão privilegiada da cidade. Entretanto, o que me chamou a atenção foram duas guias de turismo, loiras lindas, que em suas explanações sobre o local, não se cansavam de dizer e repetir que a Torre é o edifício mais alto da América Latina. Falavam como se aquilo fosse um troféu. Pensei, “como algumas pessoas são engraçadas. Pô! Idolatrar uma Torre”.

No primeiro dia em Santiago, quando passeava pela Rua Huérfanos, um senhor de idade passou por mim e disse algo amistosamente. Não entendi, mas agradeci. Com o tiempo, digo, tempo descobri que é uma expressão de bons augúrios, porque ouvi aquela expressão típica outras vezes. Dizem “Que le vaya bien” que entendi ser algo como passe bem, esteja bem ou tudo de bom. Quando disse para alguns chilenos “Que le vaya bien”, percebi que gostavam e agradeciam com um gracias. Usei e abusei do “Que le vaya bien”.

Preciso dizer ao leitor que senti falta de um bom cozido de feijão preto, com um caldo grosso. O feijão não faz parte do cardápio básico dos chilenos. Outra situação que estranhei foi quando atravessava uma rua. O sinal estava aberto para os pedestres, porém os condutores aproveitavam o espaço entre os pedestres e avançavam o sinal. Na primeira vez que isto aconteceu, apressei o passo para evitar surpresas. Depois, algumas vezes mostrei aos condutores o sinal verde para os pedestres. Porém, um belo dia, passeando pelo centro de Santiago, vi uma placa de trânsito que dizia que era permitido avançar com o sinal vermelho, tendo precaução. Entendi que aquilo era algo cultural deles, e que "paguei um mico" quando mostrei o sinal de pedestres aberto para os condutores. Fazer o que! Coisas da vida.

Na quinta feira santa, dia do jogo das seleções do Chile e da Argentina pelas eliminatórias da Copa do Mundo, dirigi-me a um bar na Avenida Brasil. É uma grande avenida no centro de Santiago e tem vários bares em sua extensão. Uma zona boêmia. Entrei em um bar e perguntei o preço da cerveja. Caro. Custava algo em torno de 3.500 pesos chilenos, aproximadamente R$ 20,00 e um preço três vezes maior que o praticado em outros bares de outros locais, sem a mesma sofisticação. O que me espantou é que além do preço, em dia de jogo, o “cliente” é obrigado a comer algo. Na entrada já avisam: “somente com comida”. E não preciso dizer ao leitor que a comida mais em conta custava algo em torno de 3.000 pesos. E no final das contas, a conta vem com a famosa “propina”, gorjeta como aqui é conhecida. Lá igual a estas paragens a propina é algo “meio” institucionalizada. Embora tivesse jantado duas horas antes, para ver o jogo tive que comer algo.

Paguei caro, mas me diverti. Pelo que ouvi nos comentários preliminares, o Chile ganhou da Argentina somente uma vez na história dos confrontos futebolísticos, entre aqueles países. E neste jogo não foi diferente, perderam de 2 a 1, em casa. Começaram ganhando e vi a euforia dos inchas (torcedores) rojos (chilenos), porém a Argentina virou o jogo ainda no primeiro tempo, e aí vi a apatia dos inchas rojos. Durante o segundo tempo, vi renascer a esperança no rosto de alguns chilenos. Diziam repetidamente: “si. Se puede!”, que significa é possível. Porém naquele dia não foi possível. Tomaram uma “tunda” em plena Santiago, com o Estádio Nacional do Chile lotado. Tinha mais de 40.000 torcedores. No dia seguinte, vi em um jornal popular e sensacionalista, que um amigo havia assassinado o outro após o jogo. Dizia o periódico que terminada a partida, os amigos foram para a casa de um deles beber e conversar, porém acabaram se desentendo e um esfaqueou o outro.

Em minhas andanças pelo Chile, tive a impressão de um povo meio reservado, calado. Entretanto, as vivências desmentiram meu apressado juízo. No último dia de viagem conheci um chileno vindo do interior do país, que falava mais que o homem da cobra. Neste mesmo dia, em um bar ao ar livre na Plaza de Armas, conheci um casal de aposentados muito simpático. Ao perceberem que era brasileiro, convidaram-me a partilhar a mesma mesa. Discorreram sobre Machado de Assis, Heitor Villa-Lobos e Di Cavalcanti, entre outros. E no fim da prosa, ainda pagaram as cervejas que tomei.

Repito que gostei da viagem ao Chile. Vi um país próspero, com um custo de vida caro e muitos estrangeiros trabalhando naquelas paragens, inclusive brasileiros e haitianos. Alguns chilenos me perguntaram se havia ido para trabalhar, estufei o peito e disse: “No. Estoy a paseo. Solo vacacciones”.

No dia em que retornei ao Brasil, no exato momento em que o avião estava levantando vuelo, digo, voo de Santiago e apreciava a decolagem, veio-me à mente, novamente, fortemente a imagem do tirano Pinochet. Pensei: “pô! De novo isto. Sai fora coisa ruim, já estou indo embora.” A imagem persistiu por um período de tempo e depois sumiu, e o voo de volta foi agradável e tranquilo. Como diz o ditado popular: “viajar é ótimo, mas voltar para casa é muito melhor”.

paulo de jesus
Enviado por paulo de jesus em 12/04/2016
Reeditado em 15/04/2016
Código do texto: T5603383
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