O louco

Ele era louco. Não era do tipo que rasgava dinheiro, mas também não se importava muito com isso. Tinha trabalho, se sustentava sem precisar de ninguém, mas também não levava o trabalho a sério. Gostava de estilingue, o famoso bodoque, daqueles que quando era criança ele tinha usado para caçar passarinhos. Ele cresceu, mas o gosto por bodoques não mudou. Tinha pelo menos uns cem em casa. Todos pendurados em uma parede como se fossem troféus.

Primeiro passou a usar um bodoque pendurado no pescoço para onde quer que ele fosse. Depois carregava na cintura, nos bolsos e onde mais pudesse.

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O tempo foi passando e ele começou sentir a necessidade de ter mais bodoques. Eis então que começou a vender os moveis e comprar bodoques. Depois vendeu o carro. Já tinha milhares de bodoques de todos os tipos e ainda assim sentia necessidade de comprar mais. Quando se deram conta a sua casa estava tomada por bodoques. Agora eles não estavam mais apenas pendurados nas paredes; estavam por todas as partes. Cômodos inteiros cheios de bodoques de todos os tipos e modelos. As pessoas que iam lhe visitar saiam assustadas, enquanto ele, conversava normalmente, vivia normalmente e se sentia feliz com os seus bodoques, como se aquilo fosse normal.

Eis que um dia colocou a própria casa para vender. Quando as pessoas descobriram que ele queria fazer isso para comprar mais bodoques, decidiram que ele era louco e então era hora de interná-lo. O louco foi para uma clinica onde ele seria tratado da sua loucura.

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A clinica para onde mandaram ele era muito conceituada. Não era um lugar ruim. Ele comia na hora certa, dormia na hora certa, participava de conversas em grupos e convivia com outras pessoas. Lá ele descobriu que aqueles que lá estavam eram mais certos do que muitos dos certos que estavam do lado de fora. Tudo era perfeito lá, não fosse por um problema. Lá não tinha bodoques.

Os médicos notavam que ele era um homem triste. Falava sobre algumas coisas por algum instante, mas não interessava para onde o assunto fosse, ele sempre falava da saudade que sentida de seus bodoques. Os próprios médicos tinham dó dele, mas por outro lado precisavam curá-lo, afinal, ninguém pode ser assim tão dependente de bodoque.

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Eis que o tempo passou e ele parecia ter melhorado. Os médicos não o viam mais chorando pelos cantos pedindo bodoques. Ele estava bem e tão normal que o médico decidiu que talvez ele até pudesse ir para casa, por isso decidiu que era hora de avaliá-lo, porque aparentemente ele estava curado.

- E então? – Disse o médico. – O que vai fazer quando sair daqui?

- Vou comprar um caminhão.

- Puxa vida, um caminhão. – Alegrou-se o doutor. – E o que vai fazer com este caminhão?

- Vou tirar os pneus.

- Tirar os pneus? – O médico não sabia o que pensar. – E o que vai fazer com os pneus?

- Nada.

- Então, porque tirar os pneus?

- Preciso das câmaras.

- Para quê? – O médico estava perdido no raciocínio do homem a sua frente.

- Para cortar e fazer um bodoque.

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Passou mais alguns meses. O homem continuava lá na clinica. Ele estava bem. O médico podia ver a sua melhora. Teve medo de uma nova avaliação, mas era necessário.

- Olá. – O médico já começou desconfiado. – Ainda pensa em comprar um caminhão quando sair daqui?

- Claro que não. Aquilo era loucura.

- Bom. – Deixou escapar o médico aliviado. – E então o que pretende fazer quando sair daqui.

- Vou arrumar uma mulher.

- Uma mulher. – Enfim uma boa noticia pensou o doutor. – E depois?

- Depois vou levá-la pro quarto.

- E depois?

- Depois vou colocá-la deitada na cama.

- E depois?

- Depois vou tirar a roupa dela.

- E depois? – O médico já estava animado.

- Depois vou tirar a calcinha dela.

- E depois? – Agora, o medico tinha certeza, ele estava curado.

- Depois vou tirar o elástico da calcinha e vou fazer um bodoque.

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Moral da historia: “A natureza das pessoas sempre vem a tona, não importa onde elas estejam.”

Jonas Martins
Enviado por Jonas Martins em 20/04/2016
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