Rotina de um depressivo

O som do celular vibrando em cima da mesa era meu martírio naquele momento, será que ele não tinha percebido que eu ainda estava com sono, e que não era hora de despertar? Virei-me para o lado, encolhi o corpo embaixo do cobertor e fiz de conta que nada tinha acontecido...

Passado alguns minutos, a inquietação não me deixava em paz, sabia que tinha que levantar, mais um dia de trabalho me esperava.

Totalmente tonta e com a visão turva, fui arrastando meu corpo enquanto segurava nos móveis. Depois de algum tempo e de muito esforço para me manter de pé, consegui chegar ao banheiro, lavei o rosto com a água gelada daquela manha de inverno. Escovei os dentes, me enxuguei com uma toalha rosa pendurada atrás da porta, e me dirigi a cozinha.

O estomago parecia tão vazio que eu tinha a impressão de não ter comido há séculos, o simples cheiro do café já o deixava eufórico. Conduzindo levemente meus passos pela pequena cozinha de minha casa, balbuciava algumas palavras ininteligíveis, procurando dentro das latas de plástico algo para comer. A coleção de grandes latas amarelas era o luxo de minha mãe, também pudera presente de casamento de uma tia distante que ela tanto fala.

Após achar um pedaço de bolo coberto com granulado e um pão amanhecido, solitário dentro de uma sacola de padaria, peguei uma xícara de café, sentei-me no sofá e liguei a tv. Como é bom assistir desenhos animados, me faz lembrar de minha tão alegre infância, onde eu não precisava de remédios para ser feliz. Entretanto, hoje, sei o porquê da minha felicidade de outrora, eu não me preocupava com o dia seguinte, o hoje era só o que eu tinha.

Naquele instante me recordei de minha primeira consulta ao psiquiatra, o diagnóstico previamente feito por min e que relatei a ele naquele primeiro encontro foi: “Eu não consigo ser feliz”. Lembro-me claramente da expressão dele, parecia rir em sua alma, no entanto, me olhava com o semblante enigmático e com gestos bastante sérios. Antes de ir para o trabalho, toda quarta-feira, era meu dia de me dirigir ao centro de saúde mental de minha cidade, sei que soa forte “saúde mental”, mas eu não era nenhuma louca, pelo menos não rasgava dinheiro, ainda.

O tratamento começou após uma crise de stress, e indagações filosóficas de minha mente, como “quem sou eu, de onde vim, para onde vou”? Até gostava de ir às consultas, nossa, conheci muita gente interessante, a senhora que se dizia casada com o Doutor, a menina que chorava sem parar, o jovem viciado que transitava entre a penitenciária e o sanatório, dava muitas gargalhadas e chorava também, dependia da minha companhia enquanto esperava a minha vez.

Antes de passar pelo médico tinha que passar pela enfermeira, por uma assistente social e por uma psicóloga, o que, cá entre nós, não adiantava nada, pois tudo que dizia pra uma, repetia para as outras duas e mais tarde para o doutor.

Quando adentrava a sala de consulta, aquele homem de meia idade e óculos redondos sorria para min e sempre dizia: nossa como você está crescendo. Achava engraçado, depois que deixei a adolescência nunca mais ouvi de ninguém tal comentário sobre min.

Não tinha muito que dizer a ele, apenas que estava seguindo corretamente suas instruções, tomando dois comprimidos a noite e um ao acordar, já não era mais novidade relatar os efeitos colaterais, por isso, nem comentava.

No final da consulta ele sorria para min novamente, dizia que qualquer problema era para que eu voltasse e me entregava uma nova receita. Eu saia calmamente, despedia de todos e caminhava até a farmácia para buscar meu novo estoque de “felicidade”.

Depois que conheci os antidepressivos, fui uma pessoa mais calma e feliz, também, nem tenho forças mais para bater portas, gritar com meus pais ou tentar fazer algo contra min. Meus dias se passam e eu nem vejo, fico sonolenta e passiva o tempo todo, as pessoas me acham um “doce” também pudera, minha voz tornou-se suave e branda, e quando volto para casa, à única coisa que quero é dormir, já não penso mais nos problemas, e que se dane meu baixo salário.

Outra vez outro dia nasce, eu me zango com o celular que desperta todos os dias as 06h30min da manha, luto contra as tonturas que dominam a cabeça, e continuo minha vida, trocando a ansiedade, nervosismo e angustia por um mundo de sonolências, tremores e palpitações; ainda não sei se é uma boa escolha, mas é apenas o que me resta.

Jaqueline Martins
Enviado por Jaqueline Martins em 12/07/2007
Reeditado em 12/07/2007
Código do texto: T561836