FUNCIONÁRIO PADRÃO

Na empresa onde Camila trabalha, de três em três meses a direção escolhe um funcionário padrão, premiando-o durante o café com um certificado e um quadro com sua foto em moldura dourada, que é pendurado no corredor por onde todos os funcionários passam em direção às suas mesas de trabalho. Os critérios para a escolha do funcionário padrão são bem simples: submissão absoluta ao chefe, pouca criatividade, obediência total às regras do manual da empresa, cumprimento de prazos extras de urgência determinados pelo chefe, discrição, capacidade de fazer várias coisas ao mesmo tempo, etc. O objetivo do chefe é robotizar ao máximo a equipe, de forma que reuniões e cobranças sejam absolutamente desnecessárias.

Alexandre foi escolhido hoje funcionário padrão. Ao receber do chefe o certificado e o quadro com sua foto, na hora do café, seu sorriso era de uma alegria padrão já quase robótica, sem brilho, totalmente focada no sucesso da empresa (como deve ser a alegria da formiga, da abelha, do cupim ou do besouro rola-bosta no cumprimento de suas tarefas). Ao abraçar o funcionário, o chefe, com seu sorriso de crocodilo do Nilo satisfeito após farta refeição, pensou: “Alexandre está quase pronto. Em breve ele será padrão A” (o que significa não precisar ser chuchado pelo chefe para nada, não ser cobrado, não ser lembrado de nenhum prazo, etc.). O padrão A já sabe tudo. Decorou o manual e trabalha como um robô, quase em silêncio, sem perguntar, sem amolar ninguém, completamente absorvido pelo espírito da empresa, pelas metas, pela missão, do jeito que tem que ser. Só há quatro funcionários assim na empresa hoje.

“Só quatro”, pensava Camila, enquanto Alexandre recebia os cumprimentos dos colegas. Com certeza ela não estava entre os quatro, já que era indisciplinada, tinha dificuldade para realizar mais de uma tarefa ao mesmo tempo, dava sua opinião aqui e ali, discordava disso e daquilo, perdia prazos. Camila estava completamente fora do padrão. Se não mudasse rápido, seria demitida ou iria para a geladeira, onde se sentiria uma inútil e, se não tivesse equilíbrio psicológico para suportar, pediria demissão. É assim que funciona.

Alexandre não. “Esse menino é bom”, o chefe pensava, tampando um arroto com a mão. “Em breve vou promovê-lo a gerente do Departamento de Gráficos e Tabelas”.

O Departamento de Gráficos e Tabelas – DGT é o coração da empresa. Lá todos os dados vindos dos setores são transformados em imagens coloridas e porcentagens que mostram a evolução da empresa, seus erros e acertos, o rendimento de cada setor, de cada funcionário. É o grande medidor da corporação, o departamento mais valorizado pelo chefe. Ali é decidido quem é bom ou ruim, quem tem que ser demitido ou ir para a geladeira, quem sofrerá pressão para pedir demissão, quem será funcionário padrão, etc. Alexandre se daria bem no DGT. Mas num cargo alto, por enquanto não. Para ser gerente do DGT, o processo de robotização do candidato precisa atingir pelo menos grau 8,0 na Escala Padrão. Alexandre ainda é 6,8343129.

Ainda com o sorriso automático de crocodilo nos lábios, o chefe se dirigiu à mesa do café lendo o último relatório recebido do DGT sobre a funcionária grau 1,2452371 Camila Rodrigues. Resultado: GELADEIRA.

Flávio Marcus da Silva
Enviado por Flávio Marcus da Silva em 14/05/2016
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