A BOLINHA DE PAPEL

Por volta do início dos anos 90, o professor João de Deus ministrava aulas de português em uma escola pública da cidade de Mossoró-RN. Tinha uma vida dedicada à educação; para ele ensinar era um dom que fazia com grande maestria. Em uma de suas turmas havia um aluno de 16 anos chamado Levi, filho de uma grande personalidade da cidade, tinha tudo o que queria. Achava que estudar era algo irrelevante e por isso influenciava outros alunos de forma negativa, mas esses colegas de sala não tinham a mesma condição financeira e Levi utilizava seu poder de convencimento para desvirtuar o aprendizado dos colegas.

A maioria das vezes quando o professor João de Deus copiava a matéria no quadro percebia um arremesso de bolinhas de papel em sua direção. Era difícil identificar, pois Levi influenciava outros alunos a arremessar fazendo com que o professor não conseguisse flagrar quem a jogava. Isso se repetiu por vários dias, até que depois de muito preocupado com a situação o professor João de Deus conversou com alguns alunos de confiança da sala e soube que era Levi que orquestrava toda a brincadeira de mau gosto.

Magoado com a situação de um aluno que por ser de uma classe social mais elevada estava atrapalhando sua aula e influenciando outras pessoas, João de Deus buscava soluções para o problema. Não falou com os pais, não falou com a coordenação e inicialmente não falou com os alunos. O que fez o professor? Comprou um cesto e encheu de bolinhas de papel. Na aula seguinte chegou à sala e colocou o cesto ao lado direito do seu birô.

Aquele gesto causou impacto nos alunos. Será que agora ele que vai jogar papeis? Comentavam os alunos! O professor sabia que Levi levava uma vida farta e não conhecia o seu verdadeiro valor. Não tinha noção do poder do conhecimento, não sabia ele que através do estudo poderia multiplicar os bens de seus pais. Dessa forma, como pivô em sala de aula, contaminava as outras crianças que estavam ali em busca de uma vida melhor.

O professor João de Deus resolveu iniciar a aula copiando no quadro como sempre fazia. Não demorou muito e recebeu a primeira bolinha de papel nas costas. Assim, convidou todos a se levantar e entregou leves bolinhas de papel a todos os alunos. Pediu que todos esticassem o braço para frente e colocassem a bolinha na palma da mão por 30 segundos. Continuando solicitou que todos soletrassem a palavra humildade e durante esse breve tempo falou que a humildade é a qualidade de quem age com simplicidade, uma característica das pessoas que sabem assumir as suas responsabilidades, sem arrogância, prepotência ou soberba. Os alunos ficaram espantados com a atitude do professor. Levi que não tinha humildade esnobou dizendo que as bolinhas eram muito leves.

Logo em seguida o professor continuou escrevendo no quadro. Não demorou muito recebeu a segunda bolinha de papel nas suas costas. Virou-se, pediu que todos ficassem de pé e entregou uma bolinha de papel a cada um dos alunos. Na mesma posição anterior pediu que segurassem a “leve” bolinha de papel por dois minutos e soletrassem a palavra caráter. Durante esse tempo o professor João de Deus falou que caráter é um conjunto de características e traços relativos à maneira de agir e de reagir de um indivíduo ou de um grupo. É um feitio moral. É a firmeza e coerência de atitudes. O conjunto das qualidades e defeitos de uma pessoa é que vão determinar a sua conduta e a sua moralidade, o seu caráter. Os seus valores e firmeza moral definem a coerência das suas ações, do seu procedimento e comportamento.

No final dos dois minutos, a maioria dos alunos já se sentia incomodados e com fadiga no braço. O aluno Levi mudava a sua expressão facial e não entendia como uma leve bolinha de papel poderia te causar tantas dores. Mais uma vez o professor tentou reiniciar a aula começando a copiar no quadro. Não demorou muito e recebeu mais uma bolinha de papel. Dessa vez, devido a dores no braço, Levi não conseguiu acertar o professor, mas sim o quadro.

O professor João de Deus revolveu, novamente, colocar os alunos na mesma posição e com a “leve” bolinha na palma da mão pediu que os alunos soletrassem a frase “o peso que carregamos em nossas vidas”. No decorrer dos cinco minutos o professor falou que com o tempo, algumas coisas que não pesavam tanto em nossa balança, em nossas costas, se tornam muito pesadas de carregar. Algumas coisas na vida não parecem pesar nada, como é o caso de uma bola de papel em uma mão. Por volta de 3 minutos muitos alunos já não conseguiam erguer mais o braço que estava com uma “leve” bolinha de papel. Levi apesar de muita dor continuava na mesma posição, porém muito chateado com a situação. O professor continuava: quando erguemos nossos braços, o primeiro minuto não representa nada demais, mas com o passar do tempo àquela bolinha de papel começa a ganhar peso e nós vamos concentrando nossas forças e energias para manter a bolinha ali.

Na vida é da mesma forma, valores como honestidade, carácter, bondade, brandura, sinceridade, fidelidade, lealdade, ser justo e humildade estão cada vez mais escassos. O mais importante é manter esses valores em uma sociedade que te cobra bastante. O nosso cotidiano é marcado por vários pesos. Inicialmente um “SIM” que é dado, mesmo quando o mais adequado seria um “NÃO”, pode ser leve como a bolinha de papel na palma da sua mão nos primeiros trinta segundos, mas se isso for corriqueiro começará a pesar. São decisões não tomas ou estratégias não traçadas que incialmente também são bem leves, mas depois pode pesar na sua vida. Enfim, ações que são tomadas para agradar você ou a sociedade podem pesar bastante em pouco tempo.

Como diria Cora Coralina:

“Mesmo quando tudo parece desabar, cabe a mim decidir entre rir ou chorar, ir ou ficar, desistir ou lutar; porque descobri, no caminho incerto da vida, que o mais importante é o decidir.”

E AI, QUAL O PESO DA SUA BOLINHA DE PAPEL?

Pietro Medeiros
Enviado por Pietro Medeiros em 22/05/2016
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