"Já Vou!"

 
De tarde eu estava fumando na varanda quando ouvi uma voz dizer meu nome bem alto. Os antigos dizem que não devemos responder "já vou". É a Morte chamando. Fui ver e, de fato, não havia ninguém à porta.
Imaginei então se fosse verdade, se eu tivesse dito "já vou!", apagado o cigarro no cinzeiro e, chegando à ante-sala, me tivesse deparado com aquela figura alta, esguia, envolta em um manto negro com um capuz cobrindo-lhe o rosto.
Dedos ossudos segurando uma foice.

Eu a contemplaria demoradamente, compondo o lenço azul-marinho sobre os meus ombros nus e então, com minha voz mais doce, eu diria "entre, por favor..."
A Morte transporia suave o portão e eu lhe ofereceria uma cadeira, um café ou quem sabe um chá... Eu iria ler para ela um lindo poema de Cecília e depois lhe contaria das coisas da vida que eu quis tanto e que me foram negadas. Falaria de minhas melhores lembranças, do ciúme que eu vi flutuando de manhãzinha ante o azul do céu e que me fez parar no meio da rua para contemplar o seu trajeto. Telefonaria ao meu irmão para ele levar um carrinho de brinquedo para um certo menino.
Ouviríamos "Jura Secreta" juntas... Talvez eu chorasse não pela minha visita mas porque a canção me comove. Fumaria mais um cigarro. A Morte me concederia um último pedido (quero nada não...), depois eu desligaria os aparelhos (seria um perigo para os outros esquecer os eletrônicos ligados) e deixaria a porta entreaberta para que pudesse alguém encontrar o que fora meu corpo ainda perfumado para um enterro decente.

Eu nem veria quando a minha cabeça pendesse sobre o peito como uma flor ao entardecer... Já o meu espírito iria longe, longe! envolto naquele manto negro...
Srta Vera
Enviado por Srta Vera em 15/06/2016
Reeditado em 26/06/2016
Código do texto: T5668016
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