O assassinato da deputada britânica

Ao entrar no meu quarto, estava escuro. Olho, agora, para a tela do computador e vejo, numa foto da agência de notícias Reuters, o arranjo fúnebre que fizeram em frente ao Parlamento, em Londres, para homenagear numa vigília a deputada britânica do partido trabalhista Jo Cox assassinada no dia 16 de junho.

Sua foto está ali no meio da grama entre flores, velas acesas e mensagens escritas. Parece uma garota. No entanto, tem quarenta e um anos; é casada e tem dois filhos pequenos. Foi morta a facadas e tiros por um extremista político no seu distrito eleitoral de Batley e Spen no norte da Inglaterra. Ela defendia a permanência de seu país na União Europeia e a ajuda aos refugiados imigrantes. Antes de ingressar na vida política, havia trabalhado para a rede de assistência humanitária Oxfam.

Detenho-me por instantes, olhando para a tua imagem sorridente aí na foto colocada no gramado em frente ao Parlamento inglês... tudo emoldurado na minha tela de computador. Não imaginas, Jo, o quanto eu gostaria de falar contigo...

- Jo, o que está acontecendo? O medo gerado pelos atentados de Oslo, Paris, Bruxelas e Orlando assumiu o comando como “o estado de espírito da Europa”, eclodindo intolerâncias, fechamentos, xenofobias, radicalismos e descaminhos? Onde foram parar as pontes que o Papa Francisco queria ver construídas entre os povos? Por que os muros que ele queria evitar se esforçam por se levantar? O teu martírio, como jovem deputada “anti-brexit”, manterá a bandeira da Inglaterra tremulando entre as outras vinte e sete da União Europeia?

Duas guerras mundiais num período de cinquenta anos deixaram a Europa arrasada... Com a ajuda de países aliados, soergueu-se vestida com a armadura da Ética, tendo como cinturão os Direitos Humanos; como capacete, a Democracia e, como espada, a Liberdade!

- Jo, tudo isso, agora, parece estar caído... Sei que crês na integração como forma solidária de fazer as coisas; na beleza das relações abertas; na confiança de um futuro vivido conjuntamente; na realização de alianças culturais, educacionais, filosóficas e religiosas; e na cultura do respeito, do encontro, do diálogo e da participação!

- Querias uma carreira política que extravasasse as fronteiras geográficas. Tinhas uma paixão europeísta! Parecias agir convictamente, atarefadamente, intensamente... como quem quase não tem mais tempo... como quem queria abraçar o mundo!

- Jo, se as forças do medo, da morte, do esquecimento, da negligência, da displicência nos dominarem – e elas já te aniquilaram – com que ficaremos?

- Tua presença se foi... se foi para a nossa memória. Estás toda ali. Agora, é um imperativo pensar em ti!

- Jo, onde realmente estás?

- Quem és?

Os mártires surgem no escuro do nada.

Miguel Wetternick
Enviado por Miguel Wetternick em 23/06/2016
Código do texto: T5676477
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2016. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.