Ricksty, o Pinheiro sem folhas

Não podemos fazer 50 todo dia, isso só nos é permitido uma vez, me parece. Eu mesmo nunca fiz, o que indica que isso ainda irá, acho, acontecer. Até lá, bem, existe um tempo que tartaruga pelos dias e às vezes cavalga em direção a um muro. Se irá pulá-lo ou não, aí é só esperando para ver. Eu acho que estou nesse meio termo, mas isso não importa por momento.

Conheço o velho Ricardo faz uns bons anos, ele tinha um pouco mais de minha idade hoje e eu, bem... As afinidades foram nascendo como nesses choques das folhas quando caem no chão. Numa hora estão lá, pregadas em galhos firmes e corretos, mas depois precisam sentir o gosto do asfalto. Nesse caso, não sei quem era a folha, mas sei que houve a colisão.

Gibis, discos, livros, uma série de idiotices importantes e chatas. Sim, também há o futebol, a política e suas medusas. Cada um com sua arma, nos enfrentamos por vezes. Isso é realmente um fato, os bate bocas de dias duros e palavras ríspidas, enfim.

Caminhamos muito por esses anos, literalmente também. Noites gastando sola e ouvidos, ainda que o som fosse só o da noite, e esse ninguém ainda gravou. Também havia o som da vida, mas esta anda tão depressa que pessoa alguma para e presta atenção.

Os shows, esses foram especiais. Havia naqueles momentos apenas duas pessoas admiradas em ver como alguém é capaz de ser algo tão original, intenso e humano, pois assim é a música, ao menos deveria ser. Assim é amizade, ao menos deveria ser.

A amizade, nome de ponte, livro, um substantivo sem definição concreta, não palpável. Isso sim é que é estranho, não? Dizer amigo é só um ato, como tantos outros; descascar laranjas, chutar pedras e rabiscar com um canivete na polpa firme de uma árvore já milenar.

A amizade é uma árvore, parece. Usamos de nossos canivetes de formas várias para rabiscarmos incessantemente a sua polpa. Tem horas que tudo parece ruir, mas depois vemos que a casca permanece, pedindo para que não deixemos de cutucá-la.

Já faz tempo que não encontro com o velho Ricardo. Seja para um café, um chá na Ipiranga, um sebo na Luz, Brás ou São Bento. Ou mesmo para uma simples volta pela cidade de seu estimado João Antônio. “E ae, meu”, “jamais”, diria o bom amigo, que me tratava com a um irmão mais novo.

Bom, acho que assim são as relações, não importa o nome que damos a elas, se é bonito, íntimo, feio ou caricato, o peso e a verdade vão muito além disso. O peso que perdêramos na academia onde mais conversávamos do que treinávamos, o peso que ficou e voltou em tantas andanças e danças, de Gil à Slade, de Llosa à Crumb.

Hoje, por um desses acasos de calendário, dias e relógios, meu velho amigo Ricardo chega aos 50. Não sei se irá pular o muro, isso é escolha dele. Não posso lhe dar um abraço, tampouco um aperto de mãos. Assim, faço o que meus dedos mandam, escrevo.

Grande amigo, pequeno Ned, o tomorrow realmente never knows.