Crônica Mineira

A tarde vai embora lentamente levada pela brisa gelada que desce dos morros das Minas Gerais. A noite chega com seu manto negro de mistérios e cada estrela é um diamante lapidado pela imaginação dos poetas e a lua é enorme boa de prata, namorada dos seresteiros e boêmios.

Sejam bem-vindos senhoras e senhores, estamos em Ibertioga* e a noite vai começar.

Na praça da matriz, mocinhas casadoiras andam em pares como o faziam suas mães e avós e os rapazes as observam com os mesmos olhos e intenções de seus pais e avôs. Por enquanto a noite é uma criança e as velhas tradições são mantidas.

...

Já é tarde e as luzes da cidade começam a se apagar. As moças de família se recolhem. Ah! A velha tradição mineira...

Mas existem outras tradições; as boêmias, as serestas e tantas mais. A nova geração prefere criar suas tradições e nem todas as moças se recolhem cedo.

Nos bares os violões, flautas e cavaquinhos. Mas qualquer que seja o instrumento a cerveja e a cachaça são de lei. A noite já é criança crescida e alegre.

Pelas frestas das janelas as comadres curiosas procuram assunto e algumas mocinhas olham com censura, mas no fundo invejosas da alegria daqueles que são livres. Logo as frestas das janelas se fecham e as carolas e as mocinhas pudicas vão dormir pois amanhã é dia de missa e de trocar fofocas com outras beatas.

A madrugada vem chegando, convidando os últimos boêmios a se recolherem com seus instrumentos e sua ressaca. Aqueles que se arriscam a mais uma serenata são agradavelmente surpreendidos pelos primeiros raios de sol que ferem a serra e derramam pelos vales rios de ouro.

Na serra o galo exibe seu derradeiro canto. Um novo dia começa e como ele voltam as velhas tradições.

Ibertioga, 1981

* Ibertioga é uma pequena cidade no alto da Serra da Mantiqueira, acima da cidade de Barbacena uns 14 ou 15km de estrada de terra. (naquela época)