Voltarei

Há na literatura um enigma que há muitos anos eu tento resolver, sem sucesso: QUEM SOU EU. Porque, em resumo, é isso que eu busco nos livros, sobretudo na grande literatura, nos grandes autores, mais capazes, a meu ver, de iluminar os abismos e recessos da alma humana. Cada obra-prima que eu leio me mostra um pouco mais de mim, embora, muitas vezes, eu não goste do que vejo... Nunca me vi por inteiro, só pedaços, fragmentos... às vezes só indícios de mim, da minha presença, da minha passagem por ali.

Sou detetive de mim mesmo, meu próprio Sherlock Holmes, e, por enquanto, o único instrumento de trabalho que eu tenho são os livros, textos de autores geniais como Roberto Bolaño, Fiodor Dostoievski, Fernando Pessoa, Guimarães Rosa, Clarice Lispector, David Foster Wallace... e agora Thomas Pynchon...

Estou na página 88 (de um total de 1.087) de 'Contra o dia', de Pynchon, e já posso dizer que há fortes indícios da minha presença ali dentro: na liderança sombria de Randolph St. Cosmo, no mal-humor de Lindsay Noseworth, no silêncio reflexivo do cão Pugnax... há um pouco de mim ali, posso sentir, e é isso que me atrai na literatura... os seus espelhos de alma... e sua capacidade de nos levar à reflexão.

De novo penetro calmamente na densa floresta de mim. Caminho agora num círculo de luz, aquecido pelo sol, mas logo estarei nas sombras, no frio... É lá que é preciso ter coragem, onde a investigação deve ser mais cuidadosa e a reflexão mais profunda. Não sei o que vai acontecer, o que vou encontrar, mas pelo que li sobre Thomas Pynchon na biografia do David Foster Wallace, posso esperar uma travessia tensa, muitas vezes sombria, fantasmagórica, difícil... É o que eu quero. É assim que eu gosto.

Não tenho medo do escuro, nem do frio... Não tenho medo de mim.

Voltarei.

Flávio Marcus da Silva
Enviado por Flávio Marcus da Silva em 04/07/2016
Código do texto: T5686921
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