PESADELOS

Um conto apenas...

Deitei-me bastante cedo neste domingo. Estava assistindo “Domingão” e repentinamente o sono se abateu pesadamente, mal pude desligar a televisão. E dormi profundamente.

Por volta de meia noite senti um medo intenso, uma ansiedade incontida e a sensação de perigo eminente. Um misto de terror e apavoramento que após me deixar completamente lúcido e alerta me tomou boas horas da noite até que eu me acalmasse. Bobagens que não ocorreriam realmente, mas que me pareceram o apocalipse. Porém estando sozinho confesso que me apavorei.

Um forte vento trazendo chuva e frio atravessava meu quarto e por um corredor seguia até passar pela janela do outro lado da casa. Tentei impedir sua passagem, mas me senti preso e imóvel na minha cama, sem forças para me cobrir ou me levantar.

Decidi fazer uma “caipirinha” e não me importar com o mau humor do tempo. A esta hora da noite?

Bem, fui até o armário da cozinha, que não sei por que estava no meu quarto, procurar limão e açúcar e na minha ida passei por uma cama com cabeceira em metal tubular e colchão de mola, dos antigos. Engraçado. A cama estava no corredor entre os quartos, ao lado da minha mesa de cozinha. Aproveitei e perguntei à minha irmã, que dormia nesta cama, se ela gostaria de tomar comigo o aperitivo ao que ela me respondeu:

- Deixe a mamãe ir dormir, ela não gosta de caipirinha, mas vai fazer.

Voltei-me então para o armário, que agora estava ao lado da minha mesa de trabalho, onde o computador ligado mostrava bate-papos do “Face book”, com frases assim:

- Certíssimo, o deixe ele ir, ele precisa ir!

- Boa atitude, não pode prender, tem de partir!

- Sorria! Sorria! Sorria! São orixás que te saúdam! Os bons os maus e os feios!

Nossa! Eram ogãs, cambonos, filhos e filhas de santo, babalorixás, padres e prostitutas a gritar e chorar, alguns riam às gargalhadas, como um bando de celerados.

Meu irmão me olhava desconfiado. Com sorriso de “não acredito” e escrevia também mensagens, mas com palavras repetitivas:

Vai! Vai! Vai! Vai! Saia daqui! Voa! Vai! Você queria ir! Vai!

Resolvi não me importar e fui abrir o armário.Tive que passar por um vão estreito entre a mesa da cozinha, que parecia apertadíssimo, e a cama da minha irmã.

Neste momento as cadeiras começaram a me empurrar de encontro à janela do meu quarto e comecei a me sentir sufocado com o cheiro forte de fios queimados de um liquidificador que se fundia em defeitos lá na cozinha. A “Caipirinha começou a se derramar sobre meu peito. Mas eu ainda não a tinha preparado! Quem então?

Comecei a tremer nervosamente, batia nervosamente meu maxilar e alguns dentes caíram. Minha irmã disse-me:

- Segura! Segura! Aqui na minha mão! Na minha mão! Não se assuste porque é assim mesmo o começo! Mas passa logo!

Olhei para ela assustado e sentei-me na cama. Achei que tivesse saído de um pesadelo. Começo de quê?

Foi então que vi, na janela do outro quarto, um enorme gavião, ou um carcará, ou uma águia, destas do escudo americano que voou na minha direção. Só tive tempo de cobrir com o braço o meu rosto, e ela saltava em minha volta e tentava, com seu afiado e curvo, assustador bico, me arrancar os olhos. E me dizia grasnando como um corvo:

- Você prometeu, você prometeu! Você é Prometeu! Prometeu! É hoje! Agora! Agora! Depois me sorriu com desdém, pegou sua cartola e desceu as escadas. Cartola? Águia de cartola? Corvo? Hodie! Hodie! Hodie!... Hodie mihi, cras tibi! Hoje para mim, amanhã para ti!

Minha irmã já não estava na cama, nem minha mãe na cozinha, meu irmão também desaparecera. Aos poucos fui tomando consciência e acordando. Pronto. Voltei.

Mas, ao me levantar senti afiadas garras que feriram meu tornozelo esquerdo.

Pensei com tristeza então que ainda continuava o martírio. Mas era apenas minha gata que costuma se esconder das explosões de fogos de artifício, comuns nos finais de ano, brincalhona e carinhosa, buscando atenção. Ainda bem. Desço então as escadas, com toda esta bagunça na minha cabeça.

Confesso que senti muito medo. Fui tomar água e uma vela que crepitava ao lado do filtro, repentinamente e pelo tempo de um flash, emitiu um intenso brilho que iluminou a minha sala como o sol. Depois se apagou por completo.

Tentei interpretar e me pareceram explicações estapafúrdias. Talvez no próximo encontro com o esquisito e bizarro mundo dos sonhos eu consiga entender...

Paulo de Tarso
Enviado por Paulo de Tarso em 08/07/2016
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