O frio .

O frio me fez ficar com as pernas dobradas até o meu corpo passar o calor para a cama, e ela devolvê-lo , me aquecendo ,e aos poucos deitar-me por completo,relaxando até o sono me alcançar.

Acordo cedo, sou um madrugador inveterado, e mesmo no escuro do quarto fico pensando em momentos com os meus pais, em outros lugares, na infância, trazendo palavras, aromas e sabores de longe, guardados sabe Deus onde(?).

Em casa havia um braseiro debaixo da mesa da sala de estar, todas as casas tinham um, e as pessoas se sentavam à mesa para jantar e conversar. Sou de um tempo que não existe mais, onde a mesa redonda era o encontro das palavras, dos olhares, das risadas...O carvão mineral em brasa, soprado pelo fole, se mantinha firme quando as pedras unidas se emprestavam calor, e este corria pelo assoalho , aquecendo todo o ambiente.

Meus pais ainda jovens, e nós ainda pequenos, às vezes tínhamos visitas de tios ou amigos , e o vinho moscatel aromatizava a sala, enrubescendo as faces. O meu pai era mais sério, falava pouco, já a minha mãe era mais alegre e falante, cantarolava as canções do rádio a toda voz , como se estivesse no auditório , rsrsss...e aprendíamos com ela o nome dos artistas, tanto da tela quanto os do rádio. Ela não parava um segundo, era muito ativa, fazia tudo o tempo todo, comida, limpeza, crianças, horários para isso e para aquilo outro, a sua agenda era mental, não escrevia nada, e nunca se perdia, só que às vezes se queimava ou se cortava na cozinha, devido a sua ansiedade. O meu pai raramente nos repreendia, mas era menos participativo no tocante à educação, ele confiava essa parte a minha mãe. Ele era um homem de números, " O homem que calculava" ( Malva Tahan), rsrsss...começara entregando telegramas nas ruas, ainda criança (12 anos), para ajudar a numerosa e humilde família , e a sua facilidade com os números o fizeram progredir, tornando-se um economista, e também tinha muito jeito para liderar equipes, um senso de justiça como poucos. Me lembrar de fatos e detalhes é um dom que herdei da minha mãe; lugares, falas, pessoas...e as pessoas se surpreendem com isso.

O meu irmão se tornou um matemático, herdou esse lado numérico do meu pai, mas ele é muito mais fechado, e eu saí mais a minha mãe, cantando e tocando, mas também tenho muito do meu pai, o lado analítico e a facilidade de fazer amigos, posso conversar com muitas pessoas sem o menor conflito, mesmo que não concorde com todas as opiniões, busco um sorriso, e a palavra certa sempre vem me auxiliar.

Essas reflexões e lembranças da infância aquecem a mente, o coração, e acho que recordar é viver, fazer e entender a nossa história, passá-la aos filhos e perpetuar a memória de quem foram especiais , e continuarão sendo.

Aragón Guerrero
Enviado por Aragón Guerrero em 19/07/2016
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