O sino.

O sino tocou, era o velho sino da matriz central, dezessete badaladas, era um prenúncio ecoando pela praça central naquele penúltimo dia de novembro, estava ele sentado em um dos trinta e quatro bancos de concreto da praça, escondido entres as mais belas flores do jardim principal, ele era apenas observador desatento, analisando o caminhar das pessoas, o ir e vir descontraído e descompassado de transeuntes despreocupados. Existia um microcosmo na praça central daquela cidade sem nome, um universo particular com suas próprias leis, existia ainda, uma forma de ver o passado e o futuro segundo dizia ele, e esse passado e futuro era espelhado na fonte principal dessa praça, ele era o único capaz de enxergar o que ninguém mais poderia ver, quando o velho sino tocava suas dezessete badaladas.

Todas as manhãs aquele estranho senhor se dirigia para a praça daquela cidade, sempre no mesmo lugar, sempre na mesma hora, quando o sino tocava suas dezessete badaladas, aquele era o momento perfeito segundo ele dizia, ele levantava-se do trigésimo quarto banco de concreto onde ficava sentado, e com grandes dificuldades, amparado por seu cajado, ele se aproximava da fonte primavera, reclinando-se para próximo da face das águas, tocando-lhe com seus dedos, as águas então se revelam para ele segundo o que ele dizia, mostrando-lhe um futuro nada promissor de uma geração que estava no auge do seu declínio, era um prenúncio sombrio e apocalíptico, "mas acreditem", dizia ele, não há nada de novo ou de extraordinário nisso, está muito evidente a qualquer um, cristalino como essas águas, que o caminho que essa geração está seguindo, é caminho de morte, é o meu caminho.

Quando ele se debruçou sobre a fonte para observar o destino dos homens pela última vez naquele dia, eis que se aproximou dele uma criança, bela criança, de olhos negros como a noite, rosto reluzente, cheia de vida, ele ainda não a tinha visto naquela praça.

-- O que fazes aqui senhor?

Perguntou aquela criança curiosa.

-- Eu estou observando o destino dos homens na face dessas águas.

Respondeu ele.

-- Como assim? Como o senhor pode ver o destino dos homens nessa simples fonte?

-- Nessa fonte está as águas do destino minha criança, todos os dias, quando o sino dá dezessete badaladas, levanto-me do trigésimo quarto banco de concreto e venho a fonte, ela então me revela o destino dos homens.

-- É mesmo -- disse o menino com ar de incredulidade -- e os homens estão fazendo o quê?

-- Destruindo, minha criança, é só isso que eles sabem fazer, destruir e destruir.

-- O planeta o senhor quer dizer né, minha professora sempre fala isso lá na escola.

-- Não minha jovem criança, não.

-- E o que é então.?

-- O homem desde o início da humanidade, a iniciar do primeiro homem, até o último que eu tenho observado, sempre destruiu a si mesmo, a sua relação com o criador divino, a ponte que o liga a eternidade, o seu caráter de perfeição dado pelo eterno, o homem o tem destruído, dia após dia, ano após ano, a natureza sempre se recupera minha criança, mas homens caídos, jamais se recuperam.

-- Não há nada o que possamos fazer para muda-los?

-- É uma questão de vontade própria minha criança, tem que partir do coração do próprio homem a mudança, e o que as águas do destino me revelam, é que os homens não tem vontade própria, eles caminham com a vontade e pela influência de terceiros. Perdoe-me menino, mas eu não creio mais na humanidade e nem nos homens. Eu tenho que ir agora meu jovem, estou cansado, e minhas pernas doem muito.

-- Quem é o senhor afinal?

-- Eu sou apenas um velho no final da sua existência momentânea, pronto a passar para outra existência que não tem fim, o que os homens fazem aqui nesta vida minha criança, refletirá eternamente na outra. Adeus criança.

Aquela foi a última vez que aquele senhor foi visto na fonte, alguns diziam que ele havia fugido de um sanatório que ficava na entrada da cidade, se é verdade ou não ninguém sabe, mas o que ele me disse naquele dia perto da fonte, é sem dúvidas a mais pura e dolorida verdade. Os homens estão se destruindo dia após dia, e não há nada que possamos fazer para mudar isso.

Tiago Pena
Enviado por Tiago Pena em 24/07/2016
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