A capacidade de ser PAI.

Meu pai morreu quando eu estava fazendo o primeiro ano de residência, isso foi em 1999, creio. Não sou de marcar datas, muito menos de falecimentos, porém, eu preciso contar está história que hoje, não sei por qual motivo surgiu durante o almoço na casa do meu sogro e sogra.

O capitão Cabral, como assim era chamado o meu pai,adoeceu subitamente, o primeiro sintoma que sentiu foi a perda da visão que já não era boa. Ele morava nessa época com uma senhora a que tinha o meu respeito chamada Odete, com que conviveu durante mais ou menso 20 anos, após ter se separado da minha Mãe maravilhosa.

Assim que começou a perder a visão, e encontrar dificuldade para subir as escadas, e como ficava sozinho, pois Odete trabalhava na empresa laboratório Oswaldo Cruz, ele teve ajuda do vizinho, que infelizmente eu não sei o nome, e que durante o dia na ausência da companheira o ajudava a subir e descer as escadas do sobrado.

Como o Capitão Cabral, não era homem de ficar quieto em nenhum lugar, e como a companheira trabalhava durante o dia inteiro esse vizinho o acompanhava quase que durante o dia inteiro.

A residência médica é um período de nossa vida, onde temos que dedicar quase toda a nossa existência ao aprendizado médico, portanto, eu que o visitava pelo menos duas vezes por semana, deixei de fazê-lo com a mesma assiduidade.

Estava eu de plantão noturno, quando o meu celular, que naquele tempo pesava quase igual um tijolo tocou.

--- claiton... o seu pai foi internado, ele não está bem, e quer te ver. - disse Odete secamente ao telefone.

--- o que aconteceu? - indaguei.

--- ele piorou subitamente, parece que não quer mais viver, por favor venha assim que puder visitá-lo, ele foi internado pelo Tenente do Bavex que eu chamei, no início não queria ir, porém o Coronel que acompanhava a equipe médica disse que era uma ordem, e não um pedido. Estamos no Regional, apto 12, quarto andar.

--- tudo bem Odete, o meu plantão termina as 7 horas, e vou direto visitá-lo.

Foi o que eu fiz.

A noite foi puxada, muitos partos, muitas intercorrências, mas eram 7.30 quando cheguei ao hospital.

Segui direto para o quarto já anteriormente mencionado.

Encontrei o meu pai meio sedado, acesso pego, e respirando por máscara de oxigênio.

Sentei-me ao seu lado.

--- sou eu pai. - disse baixinho, segurando em sua mão. -

Ele esboçou um largo sorriso.

--- sabia que viria.

--- o senhor sabe que eu sempre venho, o que aconteceu?

Ele puxou o ar com mais intensidade.

Depois retirou o aparelho que cobria as suas narinas.

--- não quero mais viver, quero ir embora, estou cansado, mas antes preciso lhe passar algumas recomendações.

Apertei-lhe a mão com um carinho de filho e pai.

--- já ouvi essa lamúria antes.

--- desta vez é verdade, minha hora esta chegando, e escute minhas recomendações.

Então ele começou a falar um montão de coisas, algumas que ele queria, outras que ele pedia.

Entre todas as coisas que disse, duas eu preciso salientar.

A primeira. Claiton, quero que a Odete acompanhe o meu funeral, você precisa conversar com a sua mãe.

O meu pai apesar de morar 20 anos com outra mulher, nunca tinha se separado legalmente, fez isso porque sabia que após a sua morte a minha mãe ficaria com direito a sua pensão militar.

O segundo pedido. Deixei o dinheiro que guardei, dividido entre vocês meus filhos e duas pessoas que eu muito estimo, fiz cheques que estão preenchidos e se encontram nas mãos da Odete, assim que ocorrer o meu enterro, quero que todas saquem a quantia que constar no cheque, já conversei com o gerente da Caixa Econômica Federal, e ele concordou, desde que isso seja feito no meu dia do meu enterro, portanto, eu preciso que tudo ocorra antes do meio-dia.

No primeiro instante eu fiquei abismado com tanta ingeniosidade e perspicácia, depois remorando tudo o que tinha acontecido na vida do meu pai, o achei fantástico. Poucos eram os filhos que o visitavam, na verdade pelo que eu sabia eu, e mais um ou dois. Porém, isso não vem ao caso agora.

Meu pai faleceu no dia seguinte a esta conversa, eu já estava novamente de plantão, pedi permissão ao meu superior e fui cuidar do enterro. Obedeci tudo o que ele me havia dito, fui até a casa da minha mãe e contei-lhe do falecimento, e do desejo do meu pai, não podia esperar outra resposta, ela disse com o olhar tristonho, e com os olhos cheios de lágrimas.

--- O meu Mário se foi... eu o amava, apesar de ter me causado tantas tristezas, mas também me deu muitas alegrias. Pode levar a senhora Odete ao funeral, mas ela fica de um lado do caixão e eu fico do outro, quero ficar a esquerda, do lado onde ele usa a aliança, e ela fica do lado direito, pois nunca foi casada com ele.

Concordei com este desejo, e voltei para os preparativos.

Todos os meus irmãos estavam presentes, os netos nem todos, mas o importante que sabíamos da honestidade do caráter e da importância daquele homem que naquele momento terminava o seu tempo aqui entre nós.

Sua morte foi comunicada ao Sexto RI de Caçapava, e o Coronel, comandante da companhia, comunicou que ele seria enterrado no Monumento dedicado aos participantes da Força Expedicionária Brasileira, a FEB, com honras militares, pois tinha sido condecorado como herói da SEGUNDA GRANDE GUERRA.

Fiquei orgulhoso com isso.

Estávamos todos venerando o corpo, quando Odete me chamou em um canto.

--- Claiton, aqui está todos os cheques que o seu pai deixou preenchido, tem o nome daqueles que ele quer presentear.

Olhei os valores, eram todos iguais, havia uma diferença apenas em relação ao cheque deixado para a minha mãe, que era de uma valor muito maior.

Peguei o cheques e fui lendo os nomes um por um, estavam todos os filhos vivos, um cunhado, que já tinha se separado da minha irmã, e um nome que eu não conhecia. Os valores como eu disse era religiosamente igual, menos o da minha mãe.

Perguntei quem era o desconhecido, e Odete me apontou um senhor sentado quase ao lado do caixão. O vizinho que tanto o ajudará nos momentos de escuridão tateando as escadas, ou procurando um alimento para saciar sua fome.

Fui de irmão a irmão, e entreguei o cheque dizendo.

--- O pai pediu que vocês depositem o saquem o dinheiro ainda hoje, porque amanhã talvez por motivos burocráticos não consigam mais realizar o saque.

Um á um meus irmãos foram ficando com os olhos arregalados, porque a quantia era alta para a época, eles tinham se esquecido do pai que tiveram, mais o Pai não tinha esquecido dos filhos que durante sua vida ele cuidará.

Cheguei no Aprígio, o cunhado, já separado da minha irmã e lhe entreguei o cheque. Ele me olhou assustado.

--- o que é isto? - respondi prontamente.

--- um presente do meu pai por toda a ajuda que você lhe deu durante o tempo que ele esteve vivo. - Aprígio não conseguiu responder, simplesmente guardou o cheque no bolso, ele mais do que ninguém conhecia o sogro que tivera.

Meus irmãos ficaram atônitos, pois o valor era o mesmo, ele não tinha feito distinção entre aqueles que o visitavam e aqueles que nunca mais o procuraram.

Fui até o vizinho, que cabeça baixa horava em voz alta.

--- Pai e Nosso que estais no Céu.

Eu bati em seu ombro, e ele olhou-me como se já me conhecesse a muito tempo.

--- sou Claiton, filho do Capitão.

--- eu sei... ele me fala de você todos os dias, faz Medicina, vai ser médico.

--- isso.

--- no que posso ajudar. - perguntou o vizinho olhando com olhos tristes em meus olhos cansados.

--- meu pai mandou que eu lhe entregasse este presente. - lhe dei o cheque.

O vizinho. Olhou o valor e começou a chorar em prantos, assim como eu.

Foi até o caixão, debruçou sobre o corpo do meu pai, e falou para que todos o ouvissem.

--- não precisava meu amigo, eu o fiz por nossa amizade.

Talvez ninguém tivesse ouvido a resposta, mas eu juro que ouvi a voz poderosa e autoritária do meu pai.

--- OBRIGADO MEU AMIGO, SE CUIDA.

O enterro teve Salva de tiros, e assim o meu pai foi enterrado.

HERÓI DO BRASIL.

MEU HERÓI ETERNO.

Daniel Cabral, por este motivo e muitos outros resolvi deixar o Uniforme do meu pai com você, porque tenho certeza de que sente o mesmo orgulho que eu sinto de ter o pai que eu tive, e você de ter o AVÔ, que pouco conheceu, mais do qual ouviu muitas histórias.