O ASSASSINO LAMENTA A VÍTIMA

O ASSASSINO LAMENTA A VÍTIMA

Quando há enterros, nos cemitérios, principalmente em dias de chuva, só se vê guarda-chuvas negros. Ao passo que em dia de sol, sobressaem cabeças desnudas, de projeções estranhas que às vezes fazem sombras invertidas. Os pensamentos são fúnebres, é o lógico. E assim que a cerimônia chega ao fim, as pessoas se afastam lentamente, tentando, passo a passo, colocar uma pequena distância a mais entre elas e o pensamento de morte.

O homem observou o caixão descer para a cova sem que nenhuma expressão alterasse seu rosto. É a primeira vez que assiste um funeral de uma pessoa que ele matou. Sentia muito por sua vítima, sentia muito pela discreta compostura da esposa do morto ao vê-lo desaparecer sob a terra encharcada. O túmulo que o recebeu, ao lado de estranhos, lembrava outro cemitério, outra fileira de túmulos, outras lágrimas, outros tempos, outras dores...

Do céu caía uma chuva, nem fria nem quente. Caía sem tristeza, sem raiva e sem ventos.

O homem (assassino) pensa que as histórias se repetem ao infinito, às vezes parece que chegam ao fim, mas não, são apenas os protagonistas que se alteram. Os atores mudam, mas os papéis permanecem sempre os mesmos. O homem que mata, o homem que morre, o homem que não sabe, o homem que finalmente entende e está disposto a pagar com a vida, a esposa que fica, os amigos que esquecem...

Ao seu redor, uma multidão anônima de figurantes, gente sem importância, todos portadores de guarda-chuvas, que não servem de abrigo, mas para manter um precário equilíbrio sobre um fio esticado tão alto que não podem ver que sob eles a terra está semeada de tumbas, e de pequenas mentiras que fazem todos aparentar uma angústia utópica, quando todos queriam estar longe dali.

Ele fecha seu guarda-chuva e deixa a água cair diretamente sobre sua cabeça. Afasta-se em direção ao portão do cemitério, deixando no chão as marcas de sua passagem, pegadas de homem, misturadas entre outras. Como qualquer recordação, cedo ou tarde, serão apagadas. E ele com sua culpa escondida, que talvez um dia os presentes saberão que o assassino foi descoberto, mas não ligarão sua imagem à sua presença no enterro.

Ele inveja a paz e o silêncio que reinarão naquele lugar depois que todos se forem. Pensa em todos aqueles mortos imóveis em seus caixões subterrâneos, os olhos fechados, os braços cruzados no peito, os lábios mudos, sem voz para interrogar o mundo dos vivos. Quisera quando chegasse à sua casa também tivesse aquela mesma paz que tinha agora o falecido.