Em algum lugar do passado...



Olhar para trás me dá um seco na garganta e, só de lembrar, parece que, como uma tempestade violenta, cresce um reboliço de dentro de mim.
Aquela noite, eu e minha mãe passamos em claro .... a ansiedade não nos deixava pregar os olhos. Como dormir diante de tantos conflitos?
Havia pouco tempo que ela acabara de ter sua última filha. E eu, por algum tempo, meio fora daquele contexto, passei a morar na casa de meu irmão mais velho, onde fui ajudar nos afazeres domésticos, enquanto sua mulher se restabelecia de um resguardo.
Juntas, fazíamos os últimos preparativos para iniciarmos uma viagem para a grande cidade de Fortaleza. Meu pai, encontrava-se muito doente.
Só que eu não entendia por que eu precisava ir. Não sabia que ele estava nas últimas.
Por volta das 4 h da manhã pegamos o ônibus.
Passamos quase o dia todo viajando e, lembro que olhava pela janela e via somente mato e muita poeira. Uma paisagem pobre e triste desfilava pelos meus olhos de menina. Era o mundo que eu conhecia ... não sabia que existia algum outro.
Chegamos por volta das 15hs, e descemos em frente a uma pracinha que o povo local chamava de Otávio Bonfim, lugar que existe até os dias de hoje. Rapidamente, fomos conduzidos à casa de uma tia, que residia bem perto dali.
Ao chegarmos foi uma festa, pois ela, meu tio, juntamente com meu irmão José Mário, transformaram nossa chegada num acontecimento inesquecível.
Minha tia mandou comprar pão e foi logo preparar um lanche. Assim, ela colocou tudo na mesa e, para a minha mais absoluta surpresa, fiquei diante de um pão pela primeira vez. Eu era muito tímida, e pequena para minha idade ... desconhecia de tantas coisas que eram comuns para muita gente. O cenário que eu via todos os dias era de miséria e aflição.
Meu irmão veio com jeito e me ensinou a molhar o pão no café com leite. Eu comia aquela novidade de olhos fechados, saboreando cada pedacinho, calma e lentamente.
Pensei comigo mesma que aquela havia sido a comida mais gostosa que já tinha comido em toda a minha pequena existência.
Minha mãe conversava com minha tia sobre o estado de saúde do meu pai, já combinando sobre o horário da visita no dia seguinte.
As horas passavam rápidas. Naquela casa tudo tinha seu horário determinado.
E, mais uma surpresa se apresentava para mim. Exatamente as 18:00 horas minha tia servia uma sopa. Não entendia o que significavam aquelas cobrinhas brancas boiando na sopa. Era um tal de macarrão. Nunca tinha visto nem ouvido falar daquele negócio, assim como o arroz. Essas coisas não faziam parte da minha vida.
Acordamos cedo para ir ao hospital ... meu irmão nos levou de carro. Ao chegarmos, fomos direto para local onde o leito dele se encontrava. Fiquei de um lado da cabeceira da cama e minha mãe do outro.
Lembro que eu disse: A benção meu pai, ele só olhou para mim, e nada falou. Minha mãe chorava muito ... foi quando percebi que ele já não falava mais.
E assim saímos de lá com minha mãe em prantos. Na manhã seguinte recebemos a noticia do seu falecimento. Era tudo muito angustiante e eu não conseguia chorar. Apenas sentia uma grande aflição no peito.
Voltamos ao hospital, pois o corpo seria velado na capela local, somente para os familiares. Minha mãe chorava muito mas, o que mais me marcou naqueles momentos de aflição, foi no instante em que ela virou-se pra mim e disse de uma maneira dura e fria : - Que coração de pedra você tem !!! Tudo isso porque eu não conseguia chorar.
Isso me doeu profundamente. Jamais esqueci aquelas palavras.
Meus irmãos providenciaram tudo, mas eu e minha mãe não participamos da cerimônia.
Ela estava muito fragilizada, e havia algum tempo que não se alimentava.
Passamos numa lanchonete onde meu irmão parou e pediu um copo de vitamina de banana, mais uma delícia que me era apresentada.
Descobri, naquele instante, que a banana seria a minha fruta preferida. Apesar disso sempre me trazer lembranças do meu velho pai.
Mas a vida não parou por aí, já que o tempo não dá mesmo uma trégua pra ninguém. Ao contrario os dias eram longos, e eu ficava agoniada vendo minha mãe sofrer, embora, entusiasmada com a televisão, mais uma surpresa pra mim, além da geladeira, onde minha irmã Dulce fazia gelo com corante de morango e ficávamos nos deliciando na calçada no final da tarde. Mas, enquanto eu saboreava todas aquelas novidades, alguém decidia minha vida.
Era domingo, quando aquela senhora chegou , e me foi apresentada como minha nova mãe.
Naquele dia , deixei um sonho bom ali com minha irmã, pra seguir no desconhecido e começar a viver uma nova fase, que a vida me reservava.....