PICADINHOS DE MANUEL BANDEIRA-PARTE III

1--Poeta homenageado na sétima FLIP, em 2009... No caso específico de BANDEIRA, difícil separar autor e obra por causa de todos os dados biográficos, fonte de frustrações, tédio e angústia. No geral, os modernistas voltados para a realidade exterior, interessados em explicar o momento; ele voltado para dentro de si mesmo, tentando explicar-se, poesia para ele mais do que inteligência, profissão, interesse máximo e sim válvula de escape, remédio lenitivo e tábua de salvação.

2--“Não tenha receio, meu coração. Farei massagens, como manda o livro. Com muita leveza, em sentido circular... começando implantação e acabando pelas pontas... / - Com creme de pétalas de rosas? / - com creme de pétalas da rosas... / - Ora sei! / - Como o Pão de Açúcar? / Como a Sul-América!” - Trecho de “Colóquio sentimental”, propriedades de uma pasta para os seios... // Homem de seu tempo, BANDEIRA fazia poesia concreta e glosava publicidade; também em versos alertava (antigos) prefeitos do Rio sobre ruas alagadas ou pedia para conservar o nome de velhos logradouros (Ladeira do Escorrega, Beco do Jogo da Bola) e fez até uma sátira poética sobre a espada de ouro presenteada a um general, citando o “bolso raso dos operários”... - versos também para editor, amigos, colegas professores e alunos da faculdade (ZUENIR VENTURA ainda guarda um poema erótico, super obsceno, “A cópula“, que levou depois de uma visita de estudantes, Ventura e cinco alunas, em 1954 ao apartamento de BANDEIRA, no centro do Rio - personalidade simples de conversar na calçada)... até senhorio. Confessava sem medo algum que a “luz mediterrânea” do poema “A última canção do beco” é uma referência ao título do livro de RAUL DE LEONI que passeava no Beco dos (ou das?) Carmelitas à procura de prostitutas... as moças das “4 da tarde” na “Balada das três mulheres do sabonete Araxá”... Sim, porque o poeta e compositor JAIME OVALLE dizia que, se a mulher toma banho de manhã, só está boa para a cama neste horário. --- “Poema só para Jaime Ovalle - Quando hoje acordei, ainda estava escuro / (Embora a manhã já estivesse avançada.) / Chovia. / Chovia uma triste chuva de resignação / Cpmp contraste e consolo ao calor tempestuoso da noite. / Então me levantei. / Bebi o café que eu mesmo preparei. / Depois me deitei novamente, acendi um cigarro e fiquei pensando... / - Humildemente pensando na vida e nas mulheres que amei.” ----- BANDEIRA dizia também que poesia não é poesia que se encomende na padaria (da esquina?), porém atendeu pedido de GILBERTO FREYRE e escreveu “Evocação do Recife”, primeira publicação no “Livro do Nordeste”; em 1930, o sociólogo viajou para o Rio, pesquisas para “Casa-grande e senzala”, hospedando-se na casa de BANDEIRA. Ah, este jamais casou, porém era franco namorador. ----- ‘Madrigal tão engraçadinho - Teresa, você é a coisa mais bonita que eu vi te hoje / na minha vida, inclusive o porquinho-da-índia / que me deram quando eu tinha seis anos,” ----- “Pousa a mão na minha testa - Não te doas do meu silêncio: / Estou cansado de todas as palavras. / Não sabes que te amo? / Pousa a mão na minha testa: / Captarás numa palpitação inefável / O sentido da única palavra essencial / - Amor.” -----RACHEL DE QUEIROZ dizia que as meninas se apaixonavam por ele. Dois anos antes de morrer, falou em entrevista a um jornal da influência que a tuberculose teve em sua vida: “Por que não casei? Aos 18 anos pretendia casar-me, mas fiquei doente logo depois. Só aos 50 comecei a trabalhar. Não tive condições físicas e materiais para casar. Nas horas de ócio da doença, não me apliquei ao estudo de grego e latim, iniciados no colégio Pedro II. Isso é quase tudo o que não fiz. E, naturalmente, sinto pelos amores frustrados, por causa da doença.” Aí, foi inspetor de ensino, professor e jornalista.

3--Breve biografia: Nasceu em Recife, mudou-se para o Rio e frequentou o Colégio Pedro Ii, depois São Paulo para estudar engenharia; manifestou-se a tuberculose. Em 1912, estava na Suíça para tratamento de saúde - é desta época seu contato com o Simbolismo e o Pós-simbolismo francês, dentro de cujos postulados, ainda em tom lírico e sentimental, toques românticos, já com certa liberdade formal, escreveu os primeiros livros, fase preparatória do poeta: “Cinza das horas” (1917) e “Carnaval” (1919), já de volta para o Rio.

4--No tempo do casarão da rua Curvelo, em Santa Teresa, emocionava-se com meninos quebradores de vidraças (remember “The kid” (O garoto), 1921, filme de Charles Spencer Chaplin), jogando uma pelada. Antes mesmo da cartilha, BANDEIRA aprendeu poética em Recife, cidade natal, fim do século XIX, rua da União, rua da Saudade, rua da Aurora, cantigas de roda, mendigos que agradeciam esmola recitando trovas sertanejas no alpendre da casa; depois, o estudo noturno de palavras difíceis e sonoras como protonotária e avoengo - confessa em “Itinerário de Pasárgada” que a poesia está em tudo: nas coisas lógicas e nas disparatadas. Para ele, poesia de tristeza, amores perdidos, angústia, mas também da fuga para o reino da fantasia, a imaginária Pasárgada (cidadezinha de veraneio de Ciro, o conquistador persa), fascinação desde os 15 anos ao traduzir um texto grego no Colégio Pedro II, no Rio - mais tarde, o homem grave e solitário, tubérculo crônico, lembrou.... Antecipou-se no tempo e precedeu a Semana de Arte Moderna de 1922, a ponto de MÁRIO DE ANDRADE chamá-lo de “São João Batista, profeta do Modernismo”. Escândalo na época seu poema em que se declara “farto do lirismo bem comportado (...) funcionário público com livros de pontos...” Mais tarde, idoso, sentia-se “...um fantasma, todos os meus amigos morreram, a minha cidade morreu. Eu já morri e meu mundo já se foi embora”.

NOTA DO AUTOR

Lecionou português no Colégio Pedro II e literatura hispano-americana na faculdade de filosofia, nome antigo Universidade do Brasil (atual UFRJ), região do aeroporto Santos Dumont e pertinho de casa.

FONTES:

Livros didáticos diversos // “Bandeira, a poesia em tudo” - SP, Revista VEJA, n.7, 23/10/68 // “Dois retratos do poeta quando jovem” -Rio, jornal O GLOBO, 5/7/09.

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