O PEDIDO
Chegamos no Pedacinho do Céu por volta das 11 horas. Somente eu e a Aline Perini, convidamos vários amigos, mas infelizmente não recebemos a confirmação de ninguém.
A porteira de entrada é um grande portão de ferro, para entrar temos que descer do carro e abrir o cadeado. Cobrindo a entrada tem uma Primavera, e uma mureta de cimento com pilastras que sustentam o pesado portão.
Parei o carro, abri a porta do mesmo e fui até o cadeado, foi quando notei um senhor já idoso sentado ao lado da mureta.
--- bom dia. - disse eu caminhando em direção ao cadeado.
--- bom dia. - respondeu ele, sorrindo, mostrando os seus dentes perfeitos.
Abri o cadeado.
--- sua casa. - perguntou ele, levantando-se com agilidade.
--- digamos que a casa de Deus, porque este é um Pedacinho do Céu, o meu lugar de descanso.
Ele olhou me com concordância.
--- então eu seria bem vindo em sua casa?
--- claro, porque não seria.
O portão já estava aberto. Dei a chave do carro para que Aline entrasse com o veículo, e fui caminhando portão a dentro com o novo inquilino da casa do Senhor.
Foi ele que me ajudou a descarregar o carro. Tínhamos trazido comida para mais pessoas, pois achávamos que algum amigo poderia aparecer de imprevisto, e tínhamos acertado, um novo hóspede tinha se apresentado.
Guardamos tudo, cada coisa em seu lugar.
--- desculpe-me, quando chego aqui eu fico agitado. Esqueci de perguntou o seu nome. O meu é Claiton e o da minha esposa Aline.
Ele sorriu novamente.
--- ela é bem mais jovem que você, apesar de sua saúde parecer perfeita, o meu é Gabriel, dizem que é nome de anjo.
Retirei a grelha da churrasqueira e coloquei o carvão com o acendedor, um pouco de álcool e acendi o fósforo. Uma labareda logo começou a arder rapidamente.
--- sim..., gostaria que a diferença não fosse tão grande, porque sei que o tempo que eu tenho não é o mesmo que ela tem, porém, aproveitamos todo o tempo que temos juntos para demonstrarmos o que um sente pelo outro.
Sentamos a mesa. Aline Perini, retirou a carne, a linguiça, e três latas de cerveja da geladeira. Colocou a carne próximo a churrasqueira, deu uma cerveja na minha mão, e ofereceu a outra para o nosso convidado.
--- perdão... eu não bebo, teria um copo de água, um suco.
--- claro. - disse a esposa, guardando a bebida alcoólica e trazendo um copo de suco de laranja.
Fui colocar a carne, a linguiça para assar. Gabriel, lavou as mãos na pia, e logo veio me ajudar.
--- do que você tem medo. - perguntou ele de sopetão, como se já me conhecesse há muito tempo.
Na verdade, parecia mesmo que eu o conhecia a muito tempo, porém a pergunta me pegou de surpresa.
--- medo... não creio que tenha medo de nada. Vivo a vida da maneira que ela é, um dia após o outro, é lógico que gostaria de viver muito mais agora que sinto a felicidade dentro do meu coração.
Ele pegou o espeto da minha mão, colocou a carne, depois o frango e a linguiça.
--- tudo tem o seu tempo, nada é mandado por Deus no tempo errado, existe o tempo de plantar e de colher, talvez você não tivesse tanta felicidade com a sua esposa se tivessem a mesma idade.
--- pode ser, mas é duro saber que o prognóstico de nossas vidas são diferentes, gostaria de ter mais tempo junto a ela.
Ele bateu com suavidade em meu ombro.
--- talvez eu possa te ajudar.
Olhei firmemente para ele.
Sorri, duvidando de suas palavras.
--- sei que tem o nome de Anjo, mas perdoe-me não creio que faça milagres.
--- quem sabe, como você mesmo disse, estamos em um Pedacinho do Céu, aqui tudo pode acontecer.
A cerveja estava gelada, e eu e Aline tomamos com prazer, o nosso hóspede fez o mesmo com o suco, encheu o copo várias vezes. Almoçamos a comida farta, graças a Deus, só paramos quando já entardecia.
O diálogo que tivemos foi variado, falamos de tudo, comentamos tudo, mas principalmente falamos da alegria que é o amor verdadeiro.
--- já entardeceu, o senhor que dormir em nossa casa. - oferecemos a pousada.
Gabriel no entanto, gesticulou imediatamente.
--- não.... claro que não, estou apenas de passagem, preciso visitar outros lugares, outras pessoas, algumas felizes como vocês porém outras precisando de muita ajuda.
Ele se levantou, cumprimentou Aline segurando em sua mão, e ouvi claramente os dizeres de uma benção.
Caminhamos eu e ele em direção a porteira, os passos eram lentos.
--- posso lhe fazer uma última pergunta. - disse Gabriel, enquanto caminhava ao meu lado.
--- se tivesse direito há um desejo, qual pedido faria.
Pensei um pouco e respondi já próximo a porteira.
--- ter a mesma idade da Aline.
Gabriel sorriu, ultrapassou a porteira, depois já caminhando pela estrada de terra batida disse as seguintes palavras.
--- o seu desejo será realizado, porém, não se esqueça, existe o tempo certo para tudo nesta vida, você apreendera uma grande lição em sua vida.
E lá se foi, aquele ser estranho caminhando pela estrada empoeirada, com um destino incerto em busca da vida, da verdade, da ajuda, ou oferecendo a ajuda, não sei dizer exatamente qual era a sua finalidade de vida.
Voltei para junto a minha esposa.
Aline tinha se deitado na rede, e eu aproveitei o por do sol, e fui me aconchegar em seus braços, e adormecer em seu peito, acariciar os seus cabelos.
Adormecemos.
Quando acordei estava deitado em minha cama, em minha casa. Olhei para o lado, Aline já tinha se levantado, fiquei por alguns instantes confuso. Não entendia o que estava acontecendo. Dormi na rede no Pedacinho do Céu, e acordava deitado na cama em minha casa em Pindamonhangaba.
Escutei o barulho da esposa na cozinha e da Karol Perini, se arrumando para ir para a escola.
Fui até o banheiro e olhei para o espelho. Fiquei inicialmente apavorado, porém depois sorri para a figura que também sorria no espelho. Sim era eu, porém, o rosto já não estava mais enrugado, os cabelos já não eram poucos, o sorriso demonstrava uma jovialidade que a muito tempo eu tinha perdido.
Esfreguei os olhos uma, duas, três vezes para ver se a figura sexagenária que era a real não voltava novamente. Não. O meu rosto aparentava 35 anos, eu tinha voltado no tempo.
Como estaria Aline? Corri em direção a cozinha, e a encontrei fazendo o café. O susto que ela levou foi enorme e deixou a xícara cair espalhando os cacos pelo chão.
--- o que aconteceu? - perguntou ela, aproximando-se e passando a mão em meu rosto, e acariciando os cabelos que agora eu tinha em grande quantidade.
--- não sei. Só me lembro que dormi aconchegado em seus braços lá no sítio, e acordei aqui em casa 30 anos mais moço.
Ela me beijou avidez, mas eu não correspondi ao seu beijo. Estranho, eu era tão apaixonado.
Talvez algo estivesse mudado dentro do meu corpo, dentro da minha mente.
--- amor por favor, vá buscar o pão, comprei um requeijão delicioso. - disse ela.
Lhe dei as costas como eu nunca tinha feito antes.
--- hoje não, amanhã talvez. - respondei. Agora eu tinha 35 anos e poderia aproveitar a vida de uma outra maneira.
Tomei um banho rápido, e mal me despedi, peguei o meu carro e fui para o trabalho.
Voltei por volta das 20;30, Aline tinha chegado em casa a mais tempo arrumava o jantar na mesa.
--- que bom que você chegou amor, esta quase tudo pronto. - disse ela indo ao meu encontro.
Afastei-me as pressas, agora eu tinha 35 anos, corri em direção ao banheiro, mas antes comuniquei um fato.
--- não vou jantar em casa, combinei com uns amigos, todos estão perplexos com o acontecido, e querem explicações.
Aline olhou incrédulo. Não acreditava em minhas atitudes, eu estava mudado, agora eu tinha 35 anos.
A semana inteira, após voltar do serviço eu saia. Inventava alguma desculpa idiota e lá estava eu cada dia em um lugar diferente.
Eu não estava feliz, eu não tinha mais carinho, amor, ou esperança, mas eu tinha agora 35 anos, e queria viver livre.
Idiota, não percebia que eu tinha trocado a felicidade que antes eu sentia por 30 anos a menos em minha vida.
Não lembrava mais dos afagos, dos beijos, das alegrias, dos risos que eu e Aline desfrutávamos quando eu tinha 65.
A unica coisa que me importava era que agora eu tinha 35 anos, e parecia querer abraçar o mundo, quando na verdade eu o estava deixando se desmoronar embaixo dos meus pés.
Chegou a sexta feira, o dia que eu mais esperava durante toda a semana, quando então eu ia para o meu Pedacinho do Céu e lá ouvindo o canto dos pássaros, o barulho da relva, o assovio do vento e recuperava toda a minha energia para enfrentar outros dias da minha vida.
Cheguei em casa, mas ela estava escura, as luzes apagadas, não havia um mísero sinal de vida.
Entrei e encontrei um bilhete na geladeira.
CLAITON.
Você dá mais valor aos seus 35 anos, aos seus amigos, a parte da sua vida reconquistada. Já não me trata mais como sua mulher, já não sinto mais os seus beijos, os seus afagos, sinto que perdi o homem que eu amava, se recuperar 30 anos de sua vida é mais importante para você do que estar junto a mim, então estou te deixando para que aproveite esse tempo, mas que com certeza não será em minha companhia..
Aline.
Peguei o bilhete e o rasguei, amassei e o joguei no lixo. Tinha certeza de que poderia fazer isso, agora eu tinha 35 anos, eu poderia fazer tudo o que quisesse.
Os dias se passaram, comecei a beber, faltei ao trabalho, não tinha o prazer de ler, de escrever, de andar pelo quintal.
Um dia mal consegui guardar o carro, foi quando notei um senhor idoso sentado próximo ao meu portão. Fui-me ao seu encontro.
--- o que o senhor está fazendo aqui na porta da minha casa?
O idoso se levantou com a agilidade de um felino.
--- vim ver como você está trinta anos mais jovem, e pelo que eu vejo muito pior do que da última vez que eu te encontrei. Aonde está sua esposa?
--- se foi, não importa, agora eu tenho 35 anos. = resmunguei sem convicção.
--- idiota... troca uma vida de felicidade por anos de tristezas e angústias. Não se arrepende do que está acontecendo?
--- sim... a noite, quando eu olho para o lado e não a vejo mais os meus olhos se enchem de lágrimas. Mas, agora eu tenho 35 anos.
--- e do que adianta você ter 35 anos, se a mulher que você ama não está mais do seu lado. Não vejo mais aquele seu sorriso, os seus olhos brilhantes, vejo apenas um médico decadente, sem vida e sem esperança.
Aquele velho tinha razão, mas agora eu tinha trinta e cinco anos. Murmurei baixinho. Não sei como, mas ele ouviu com clareza o que eu disse.
--- Apreenda uma coisa em sua vida, não é a juventude, o dinheiro, a beleza que trás a felicidade em seu coração. Você perdeu sua alma gêmea e mesmo que tenha 20,25,30 ou estes míseros 35 anos que agora tem, você jamais será feliz sem a mulher que ama.
Ele tinha razão, mas como eu poderia fazer tudo voltar a ser como era. Eu tinha perdido a felicidade em troca de 30 anos os quais eu não sabia como aproveitar. Meus olhos se encheram de lágrimas. Onde estaria Aline naquele instante, entrei correndo para dentro de casa, escorreguei no piso molhado e caia sentado.
Foi assim que eu e Aline acordamos, sentados junto a rede, esparramados no chão eu olhando em seus olhos e ela olhando nos meus.
--- tive um sonho horrível. - disse abraçando e a beijando com um amor que nunca tinha se perdido.
Ela com os olhos molhados.
--- acho que tivemos o mesmo sonho, eu te amo como você é, com os seus 65 anos, é em seus braços que eu sou feliz, foi você o homem que eu escolhi para ser o meu marido, e compartilhar da minha vida até quando DEUS assim o permitir.
Nos beijamos e nos abraçamos. Graças a aquele senhor idoso de nome Gabriel, eu tinha compreendido que ás vezes levamos anos e anos para encontrarmos a alma gêmea que nos levara a felicidade total. Eu tinha encontrado, não importava a minha idade, o que importa em um relacionamento é o amor, a compreensão, o carinho, o afago, a amizade.
Agora eu tinha 65 anos e era feliz. Existe tempo para tudo nesta vida, e eu aproveitaria cada minuto, cada hora, cada dia, ao lado da mulher que eu amo.
Levantamos do chão ainda abraçados.
--- Amor eu pego as taças. - disse Aline já caminhando em direção a cristaleira.
--- eu pego o vinho. - disse já caminhando em direção a adega.
Acendemos a lareira, e passamos a noite mais maravilhosa de nossas vidas.
A diferença de idade já não me importava mais, eu tinha a mulher que eu amava deitada, abraçada, entrelaçada em meus braços.
TE AMO ALINE.