Meio Inteiro

Caminhou meio sozinho, meio triste, meio baqueado com a vida, meio que meio ao meio. Sabia que no meio daquela metade de tudo estava a saída, um meio de escape do meio das coisas. Mas meio que não quis procurar, era sempre meia vontade, não má vontade, meia vontade é meia vontade, pelo menos assim, o meio seria um inteiro.

Meio trôpego, ele continuou. Era meio ela, meio você também, meio eu, vários meios dentro de um meio. Quantos meios cabem dentro de outro? Meio complicado de explicar, e, logicamente, ele também meio que não sabia porque estava aos meios.

Achou que fosse insignificante viver ao meio. Olhou meio invejoso as pessoas parecendo meio felizes. Ah, não! Essas eram inteiras. Ele meio que tinha certeza. Catou seu meio de comunicação no bolso, e, ao olhar para o chão, percebeu que estava sem meias. Meio que desanimou, meio que não queria falar com mais ninguém. Parou um meio de transporte com um meio sinal. Adentrou no tal carro meio amarelo com a cabeça meio abaixada enquanto olhava o motorista meio emburrado.

O carro andava e ele pensou: porque meias se chamam meias se cada uma veste um pé só? Se a lógica prevalecesse, um par de meias, ou seja, duas meias igual a uma inteira? Um par de meias deveria vestir um pé só. Meio injuriado comprou dois pares de meias com 50% de desconto. Alguns meios meio que são favoráveis.

Meio entediado, foi ao cinema e pagou meia entrada. Assistiu meio filme porque este era meio chato. Sorriu um meio sorriso ao ver a menina que ele meio que gostava, sua cara metade, passar meio que o olhando. Levantou meio vermelho e andou meio apressado para longe dali.

Parou um pouco depois meio consternado. Chutou a lógica das metades e deu meia volta a olhando meio de lado. Vestia uma blusa meio decotada, uma saia meio ousada e uma meia calça. Estava, para ele, com o perdão da contradição, meio que bonita demais.

Ela lhe sorriu meio à vontade, ele meio tímido. Tiveram um meio papo de meias coisas. Meia hora depois já era meio-dia. Foram à praça de alimentação, meio cheia, meio vazia, e almoçaram meia porção de fritas. Comeram e deixaram metade no prato, meio que estavam sem fome. Tempo vai, tempo vem, meio que começaram a namorar. Como primeiro presente de namoro: um par de meias, só pode rir.

Um ano e meio depois estavam casados. Ele professor de matemática, ela responsável por uma divisão de um escritório de contabilidade. A vida que é meio cheia de ironias, meio que sem querer também, teve que ensinar aos dois, que sabiam muito bem contar, que a soma de dois meios, é nada mais que um inteiro.