ERA DIFERENTE

Hoje reencontrei um casal amigo que há muito não via. E desse encontro ressurgiu a lembrança de como eram diferentes os relacionamentos de ontem e os de hoje. Explico.

Antigamente os namoros entre os jovens menores de idade nem sempre eram bem vistos entre as famílias dos envolvidos, obstante a vontade ferrenha dos jovens que trocavam juras eternas de amor, os pais quase sempre determinavam – opondo-se na maioria das vezes – com quem a filha ou até mesmo o filho começasse a ter um relacionamento mais sério.

Não existia esse negócio de ficar (o namoro era encarado como um compromisso), nem tampouco existia essa falta de interesse – por parte dos pais – de saber com quem sua filha (o) estava saindo. Aliás, sair era uma palavra abolida no dicionário dos pais. Se quisesse namorar, tinha de ser de cadeirinha na calçada, muitas vezes vigiada por uma irmã da moça ou até mesmo pela mãe da pretendida e o rapaz passava por uma verdadeira bateria de testes, com perguntas objetivas, claras e diretas, onde a resposta não podia ser as alternativas “mais ou menos”, “talvez” e “ou quem sabe”, isso tudo para que se começasse “a pegar na mão da moça”.

É claro que existiam alternativas não oficiais para ludibriar os rigores exigidos, mas nem sempre era bom se utilizar delas. Pois bem, quando diante disso tudo o namoro se via impossibilitado de continuar (e os pombinhos teimavam em continuar com o Romeu e Julieta), o jeito era se encontrar às escondidas, se arriscando muitas vezes a sofrer decepções profundas, ameaças, impedimentos até com o isolamento (numa espécie de clausura) da moça, que ficava em casa trancafiada, como num cativeiro, até aquela paixão, ou melhor, “até o facho baixar”.

E quando tudo isso não dava resultado, a decisão era drástica, extrema: a moça (se fosse o caso) era mandada para um colégio interno (de freiras), de preferência distante da sua cidade de origem, como tentativa desesperada dos pais de impedirem a “loucura da filha”.

É claro que na maioria das vezes não se fazia necessário esses exageros por parte das famílias, muito menos a utilização (por parte dos jovens), da carta mais preciosa que eles tinham e que era difícil o controle para que ela não fosse usada: o roubo da moça! Sim. Havia esse detalhe extremamente importante na vida dos adolescentes apaixonados e se dava justamente pela incompreensão das famílias dos envolvidos, que não permitiam o amor dos dois; quando tudo era contra, quando não havia mais esperanças do bom senso, quando se tornava insuportável a vida sem a presença da amada, o que restava a fazer era “roubar” a moça, num ato de bravura ao estilo dos cavalheiros medievais ou por que não dizer, de nordestinos cabras da peste que não tinha medo de nada. Ou seja: era uma prova de valentia e ao mesmo tempo uma forma de dizer que, “o que é do homem o bicho não come”. E é aí que entram os amigos que reencontrei hoje.

Foi na década de setenta, no início, que tudo aconteceu. Ele, apaixonado e louco para casar. Ela, também. O problema nisso tudo era a família dele. Abastada, na época, não queriam o namoro dele com aquela moça, já que achavam que ela tinha somente o interesse de ficar com os bens que um dia iria pertencer a ele. Numa noite de sábado (estávamos em um baile), ele chegou para mim e disse que ia “roubar” a namorada, me pedindo para somente ir dizer na casa dele, no outro dia pela manhã, o que concordei de imediato.

E assim foi feito por mim e por ele. Ele levou sua Julieta para a praia de Tibau (casa dos pais dele que se encontrava fechada, pois não era época de veraneio) e eu vim dormir para acordar cedo e ir dar a notícia à família dele aqui em Mossoró. Não foi necessário ir até lá. A casa dele veio a mim. Fui acordado aos primeiros raios de sol por uma tia minha, que me disse que se encontravam à minha espera na sala de estar da casa de minha avó (nessa época eu morava com meus avôs), a mãe, as irmãs e os irmãos do dito cujo. Verdadeira sabatina. Confesso que saboreei cada segundo daquele interrogatório. Por ser adolescente e rebelde, achava os pais chatos demais e aquilo era uma espécie de vingança comida fria.

“- Cadê Emanuel?” Me perguntou a matriarca.

“- Está em Tibau” Respondi me deliciando com o olhar preocupado da distinta senhora.

“- Como? O que ele foi fazer lá? Com quem foi?” Interrogou ela deixando perceber a aflição de suas palavras.

“- Bem, o que ele foi fazer eu não sei. Agora, com quem foi eu sei. Ele foi com Vera”. Respondi delicadamente, pausadamente, lambendo os dedos de tanta satisfação.

O mundo veio a baixo. Dona Francisca quase teve um quiripapo e o qüiproquó teve início. Foi um corre-corre danado. De qualquer forma uma notícia daquelas era uma bomba, principalmente para a época. E eu tinha sido a principal testemunha do “delito”. Pelo menos eu tinha sido a última pessoa a ver os dois pombinhos rumo ao paraíso das águas.

Carros em polvorosa rumo à praia dos mossoroenses. Até juiz tinha no meio. E na ocasião não era para fazer o casamento, podem ter certeza. O reencontro foi hilário (do ponto de vista de hoje, claro): o rapaz ainda abatido pela “longa viagem” (de 42 quilômetros) da noite anterior, preocupado com o seu e o futuro da sua amada; ela acanhada, cabisbaixa, envergonhada e chorosa, se atormentava por não saber qual seria o dali para frente.

Depois de várias reuniões, depois de devolverem à moça a casa de seus pais, depois de deliberarem sobre se ia haver casamento ou não, enfim, depois das quizilas costumeiras, finalmente a palavra do chefe daquela família: casa! Se mexeu, tem que casar.

Acabaram-se os debates, as mesas redondas foram desfeitas e os carros voltaram (sem polvorosas) para suas casas. Eu também.

Hoje os aventureiros vivem maravilhosamente bem e foi um prazer revê-los. Quanto ao medo de haver interesse na jogada, esse foi desfeito com o tempo e, principalmente, com o caráter da donzela, que através de sua competência se transformou numa excelente profissional, uma extraordinária esposa e uma dedicada mãe.

 
21/01/2007.


Obs. Imagem da internet
Raimundo Antonio de Souza Lopes
Enviado por Raimundo Antonio de Souza Lopes em 21/07/2007
Reeditado em 06/02/2012
Código do texto: T573822
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