Praia Boêmia - A Corrida - Ato III/IV

De longe eu percebi que me era familiar e que eu sabia que era em algum arquivo da minha mente “suavizada” pelo álcool.

Quanto mais eu me aproximava, mais minha mente fervia para saber quem era. Ou melhor, lembrar quem era. Não expressei nenhuma emoção – não que eu lembre -. Eu não queria sorrir, pois a pessoa podiam ser alguém que não falava comigo e sem eu sorrir a pessoa podia facilmente passar por ignorado. Minha mente pulava, se remexia como roupas em máquina de lavar, se embaraçava como formigas após um ataque ao formigueiro. Que angústia! Ser curiosa nessas horas não ajuda... parece até perigoso ser curioso nessas horas.

Meu cérebro estava tão concentrado em lembrar da pessoa, que meu subconsciente resolveu tomar as rédeas da minha coordenação motora e me guiou até aquela pessoa. Parecia ser uma atração... E eu queria dançar. Queria pular como quem ganha um prêmio.

A pessoa virou para mim ao ouvir os estalados que o atrito entre minha sandália, os grãos alvos de areia e o concreto do calçadão. E eu me senti feliz. Como se fosse saudade. Como se fosse bom ver aquela pessoa.

Minha mente empurrou num solavanco só meu subconsciente que parecia uma velha senhora assistindo novela mexicana, de tão atento que estava em saber como iria terminar.

- Alguma coisa me dizia que iríamos nos encontrar novamente, garota muda... – disse o rapaz que havia falado comigo no caixa do bar, pouco tempo antes.

Sim. Eu lembrei dele quando estava tão perto quanto meu ombro fica próximo do pescoço. Okay... é exagero, mas você entendeu.

Eu fiquei sem reação. Não sabia se estendia a mão para ele, se sorria, ignorava – mais uma vez – e passava direto ou se dava meia volta e regressaria. Sorri e passei direto.

Ele me puxa pelo braço e me abraça por trás...

O cheiro de álcool e cigarro era aparente. Algo nele cheirava a cravo e fumo... Ele parecia dormente. Parece que o subconsciente dele tinha feito o efeito furacão na mente dele. Ele estava confuso.

Me desprendi do “abraço” dele. Olhei séria para ele. Me soltei das mãos dele e segui – sim, continuei meu caminho invés de voltar -.

- Me desculpe, jovem. É que você é tão bonita que me deixa tonto. – Falou com um sorriso que minha mãe chamaria de “cara de tabaco leso*”. Ele não se aguentava sequer em pé e sentou num daqueles bancos de cimento. Bebeu alguma coisa numa garrafa que parecia ser de vidro, se levantou e correu atrás de mim.

Muito me assustei e corri. Corri como quem está prestes a morrer. Como quem tem uma única chance de sobreviver. Minhas pernas pareciam turbinadas com a sensação de terror que sentia. Ele corria com ira, não como quem corre para parar uma pessoa “pacificamente”.

Fim do calçadão. Pulei para a praia e ele correu atrás de mim. Caiu algumas vezes, mas se mantinha correndo. O pobre havia caído numa touceira de urtigas. Mas, nada parecia segurar ele. Fiz o retorno pela faixa de areia e fiz o caminho de volta pela areia. Ele caiu e lá ficou. Eu continuei correndo.

Subi as escadarias para poder chegar até a avenida, mas vi dois jovens, não muito apessoados acenando um para o outro e fazendo cara de paisagem quando eu percebi. Desci pela areia novamente e continuei correndo. Eu precisava correr até um cabaré boêmio do bairro. Eu já não aguentava mais correr. Ouvi alguém me chamar e percebi o reflexo de um homem correndo pela areia, atrás de mim.

“Oh, meu Deus! Não basta fugir de um homem, de dois ladrões, tenho que correr de um outro homem? Estou frita”.

O homem continua correndo atrás de mim. E quando eu penso em parar – por desistir e não por não aguentar -, o homem grita meu nome. Eu caio e percebo que eu não estava desistindo de correr, eu simplesmente não aguentava mais.

Me pus a vomitar e não me sentia muito bem. Comecei a chorar e não sabia quem era aquele outro homem ou o que ele queria. Não me atinava que ele provavelmente não ia me fazer mal, pois, aparentemente, me conhecia.

Meu corpo pedia socorro e não conseguia respirar direito.

Eu estava exausta.

Apaguei.

Continua...

*leso = pessoa apalermada, abestalhada.

Diego B Fernandes Dutra
Enviado por Diego B Fernandes Dutra em 10/09/2016
Código do texto: T5756830
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