Até Quando?


Cruel era acordar e lembrar o que eu tinha vivido no dia anterior e, para minha angústia, saber que aquele estava apenas começando.
Era domingo, o dia da semana que mais passei a odiar já que todos estavam em casa e, talvez por isso, Madrinha, pra demonstrar força e poder, exercitava todo tipo de maldade sobre mim.
Naquele domingo, ao final da tarde, tinha ido à missa com Carla e, no caminho de volta, comentei com ela que estava sentindo algo estranho. -Acho que vou levar uma surra quando chegar em casa.
Ao entrar, madrinha me puxou pelos cabelos, pegou um pedaço de mangueira desses de molhar plantas e começou a me bater, forte e desordenadamente.
Diante de tanta brutalidade, cai no chão com ela sobre mim. E, a cada nova pancada, um gemido de angústia sangue e dor saia abafado do meu corpo, que, atônito, não tinha forças para gritar.
Eu nem sabia por que apanhava, até que então ela disse que era pra eu nunca mais pedir nada pra ninguém.
Todos os sábados, por volta das 15 horas, o padeiro ia fazer suas entregas. E, precisamente naquele dia, sabendo por mim, que eu estava com fome, já que Madrinha mantinha tudo trancado enquanto estivesse fora, ele me deu um pão.
No entanto, para minha infelicidade, Madrinha e a moradora da casa ao lado, Infelizmente se encontraram e, por curiosidade, a vizinha perguntou por que eu queria açúcar, já que era a terceira vez que eu pedia um bocado ... prática que se tornara comum todos os sábados ... eu sentia muita fome. De lambuja, ela acabou descobrindo que eu havia ganhado aquele pão.
Fiquei toda marcada da surra da mangueira/chicote que ela, com muito zelo e cuidado, conservava em cima do guarda roupa junto com a palmatória ... eram os meus presentes.
Eu não falava nada, do contrário os tapas eram na boca.
Minhas noites eram um terror ... eu já nem dormia mais. Lembro que chorava muito e orava pedindo a Deus que me tirasse dali.
Passei a estudar à noite e fiz amizade com uma garota da minha idade. Contei pra ela sobre toda a minha angústia. Ela ficou horrorizada e contou à sua mãe, anjo bom que tentou me ajudar. Eu queria fugir, tentei ... nada deu certo ... eu não tinha o endereço de minha tia em Fortaleza. Na verdade, nem me lembrava mais de seu rosto ... tive que aceitar a minha situação ... já não tinha contato com mais ninguém há muito tempo ... era abandonada e sozinha no mundo.
Carla também sofria. Eu a vi levar surras de mangueira, já com mais de 20 anos de idade. Ela odiava a mãe e, muitas vezes assumia minhas faltas de menina para não me ver apanhar. Deu sumiço na mangueira com pena de mim.
Um certo sábado amanheci muito triste ... chorei o dia todo sozinha em casa, perdi o meu controle emocional e, quando Madrinha chegou eu ainda chorava muito. Da forma mais estúpida que se possa imaginar, me perguntou qual o motivo do choro, eu não falei nada, mas ela insistiu, assim resolvi falar: - Eu quero ir embora daqui !!! ela respondeu com um ódio jamais visto por mim: - Eu te mato de peia , mas embora você não vai !!!
Olhei pela janela, vi um pássaro grande voar lá no alto ... enxuguei uma lágrima e perguntei pra mim mesma, bem baixinho, entre os lábios, quase murmurando ...
... Meu Deus, até quando ???