Diálogos indiscretos entre Mi e Má – parte 3

- Alô, quem fala? É você, Mi?

- Pode falar, minha doce Má.

- Mi, estão falando coisas estranhas de você. Estão dizendo que você está sendo muito mau para o país.

- Não se importe com isso, Má. São os comunistas.

- Mas, Mi, estão dizendo que você está inventando umas coisas prá deixar o país pior.

- Põe pior nisso, minha Má. Inventei uma reforma de ensino médio prá emburrecer a geral.

- Ai, Mi, eu não entendi isso.

- Má, emburrecendo a galera, ninguém vai pensar mais. Só obedecer. Depois que inventaram o PT a maioria das pessoas passou a pensar, questionar, exigir direitos. É um tal de debater, querer mais coisas. Resolvi parar com isso.

- Mas momô, eu acho que você quer ver todo mundo feliz. Eu, por exemplo, sou bela, recatada e do lar e não reclamo de nada.

- Você, Má, é a quintessência da formosura.

- Sou o que, Mi?

- O máximo, mon cherry.

- Ai, agora você resolveu falar japonês.

-Não, amore mio, resolvi falar francês. E depois italiano.

- Nossa, Mi, como você é inteligente! Eu também sou, né, Mi?

- Vamos mudar de assunto.

- Mi, me mostraram na internet que eu sou jurista mas eu nunca passei no exame da Ordem. Faz mal isso?

- Para mim não faz. Eu é que mandei escreverem que você é jurista para não perceberem que você é, é... bem, vamos deixar prá lá.

- Mô, já falaram que eu não passo de uma perua deslumbrada. É verdade isso?

- Não fale mais isso, my Love. Pega mal.

- Mas uma coisa só eu não entendi.

-Uma coisa só? Que maravilha. Diga o que é.

- Você disse que essa tal de reforma do ensino médio é prá emburrecer a galera. Por que?

- Amor, tente entender, minha doce Má. Uma juventude bem burrinha, que não vai precisar ter aulas obrigatórias de Ciências Humanas...

- O que é isso, Ciências Humanas?

-Poxa, Má, mas nem isso você acerta? – São matérias como História, Geografia, Sociologia, Filosofia, essas coisas que comunistas gostam. Aí, a sociedade, não pensando mais, se desarticulando, não pode mais cobrar nada do poder. Esse povo vai virar apenas mão de obra barata para multinacionais. Vamos mesmo abaixar as calças de uma vez por todas.

-Mi, que pouca vergonha! Vocês vão deixar o &*¨$#((&&¨%#()&¨ de fora?

- Não, Má. É o país que vai abaixar as calças. Eu vou fingir que isso não é problema meu.

- Outra coisa - eu não entendi – a sociedade se desarticulando...

- Má, quer dizer, a sociedade não se unindo mais para pedir nada.

-Ah, tá.

- A ideia, Má, é nunca mais sair do poder.

-Mas Mi, você está tão velhinho, até o ¨%$#)(*&¨%##())* não sobe mais.

-Má, ninguém pode saber disso. Quero que me vejam como o poderoso, o infalível, o imbatível, o insaciável.

- Você quer dizer “o gostoso do pedaço”?

- Má, alvíssaras, você acertou uma.

- Al o quê?

- Nada, Má. Nada. Eu estava apenas comemorando pelo fato de você acertar uma. Eu quis dizer que sou gostoso mesmo, poderoso e, governando desse jeito, a elite não sai mais do poder, nunca mais, never more. Pobre volta para o seu lugar, na senzala, de onde nunca deveria ter saído. Essa coisa de inclusão me provoca asco.

- Eu não sei que lugar é esse, Senzala. É um bairro chic?

- Meu amor, senzala era o lugar que os escravos ficavam e os senhores ficavam na casa grande.

-Ai, Mi, que chic, eu gosto da casa grande, do lugar onde a gente manda e os outros obedecem. Mas eu só não sei o que é asco.

- Olha, Má, asco quer dizer nojo. Eu tenho nojo de pobre, como todos os que se sentem ou pensam que são donos do poder. Pobre só presta mesmo prá trabalhar que nem burro de carga e para votar em nós.

- Mas eles vão descobrir que vocês têm nojo deles.

- Não vão, Má. É só a Globo mostrar que nós somos simpáticos, assim, meio metidos a galãs, risonhos e elegantes. A gente fala que se preocupa com o país, mostra uns números, uns gráficos tentando provar que fizemos a economia prosperar. Tudo mentira, mas tem muita gente que acredita em números. Aproveitamos para falar à exaustão que o PT provocou o atraso, a crise, essas coisas. O povão acredita. Depois, quando tiver eleições, a gente toma cafezinho no bar, come um pão com mortadela. A televisão mostra, os jornais vão ter que falar disso o tempo todo até que essa massa de ignorantes acredite.

-Você não gosta de mortandela, Mi.

- Má, é MORTADELA . Quem fala mortandela é a ralé.

- E nem de salchicha você gosta.

-Má, minha flor do Lácio, é SALSICHA.

- Ai Mi, é tudo muito difícil o que você fala.

- Má, tem uma coisa que está me chateando. Você não está aparecendo. Você tem que ir a um programa de televisão. Pode ser até no programa do Faustão. Você, esbanjando glamour, deve falar bem de mim, dizer que você jamais viu um homem mais sensato, cordial, amigável, respeitador, simpático, honesto, ponderado, altruísta que eu. Todos vão gostar. Faça aquele olhar lânguido que você costuma fazer quando quer mais dinheiro para ir às compras. Faça biquinho quando falar. Deixe o povo desesperado por você despejar gostosura pelos quatro cantos do país. Isso vai ajudar.

- Mas ajudar como, Mi, se estão dizendo que a minha profissão é cuidadora de idosos?

- Mi, Mi, você desligou o telefone de novo?

É, desligou de novo.

Vera Moratta
Enviado por Vera Moratta em 27/09/2016
Reeditado em 29/09/2016
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