O caso da viúva assassinada

Dos 12 aos 15 anos de idade li cerca de 70 livros da escritora inglesa Agatha Christie, a rainha do crime. Tenho tudo anotado, os títulos, as datas, os nomes dos assassinos e outras bobagens (adoro anotar coisas, registrar fatos, fazer listas, não sei para quê). Nessa fase, foi com Agatha Christie que eu mais saí, viajei, conversei e me diverti. Ela foi e continua sendo uma grande amiga. Quando a conheci, em 1987, ela já tinha falecido, mas isso não importa. Grandes escritores não morrem. Agatha Christie não morreu. Continua criando e desvendando mistérios para milhares de leitores, que se entregam aos seus romances e contos com enorme prazer, muitas vezes se tornando amantes da literatura graças a eles.

Inspirado em Agatha Christie, propus recentemente uma atividade em grupo aos meus alunos do 1° período do curso de Direito da Faculdade de Pará de Minas, que chamei de 'O caso da viúva assassinada'. O que eu fiz foi criar um enigma bem complicado, com várias pistas, e pedir aos grupos que o resolvessem, elaborando um quadro explicativo, em forma de texto, no qual todas as pistas fornecidas por mim se encaixassem. O objetivo da atividade foi desenvolver nos alunos a habilidade de reunir fragmentos de testemunhos, depoimentos, dados, informações, fatos, imagens e outros tipos de indícios ou pistas num discurso coerente, convincente. Não foi fácil. Ninguém conseguiu responder corretamente às três perguntas-chave do enigma: Quem matou a viúva? Como? Por quê? No entanto, suas aproximações da verdade foram muito bem elaboradas e criativas; eles realmente colocaram a cabeça para funcionar, debateram, discutiram, concordaram uns com os outros, discordaram. Foi muito interessante.

Ao chegar em casa, postei a solução do mistério para eles no portal da faculdade. Em seguida, li as soluções que as equipes me entregaram e elaborei uma análise de suas falhas de raciocínio, que apresentei na aula seguinte.

Nossa avaliação escrita será sobre o Direito no Brasil Colonial e a Revolução Francesa e seu papel no Direito Contemporâneo. Vou propor a eles três blocos de “pistas” – fragmentos de discursos, trechos de textos jurídicos do passado, imagens, etc. – sobre o conteúdo ministrado. Eles deverão escolher um dos blocos e escrever um texto com introdução, desenvolvimento e conclusão, compondo um quadro explicativo – como a solução de um mistério – sobre o assunto escolhido, no qual todas as “pistas” se encaixem.

Enquanto estudam para a avaliação, eles estão produzindo para mim um documentário de 15 minutos (usando as câmeras de seus celulares) sobre qualquer tema relacionado à História do Direito, no qual também terão que apresentar um quadro explicativo, um discurso formado por fragmentos diversos – trechos de vídeos, fotos, entrevistas, músicas, etc. –, valendo 10 pontos (na última aula eles me entregaram os roteiros, que vou analisar no final de semana). Estou ensinando, mas também aprendendo e me divertindo muito com eles.

Confesso que sou fã de aulas expositivas. Preparo as minhas com muito carinho, porque acho que uma boa explicação, dada por quem realmente estuda o assunto, com paixão, olhos nos olhos, tem o seu lugar no processo de ensino-aprendizagem. É claro que há professores enrolados, cansativos, que falam sem parar, mas não dizem nada – porque não estudam, não têm paixão, não dão seu sangue para aquilo (posso parecer pretensioso, mas acho que, para a maioria dos meus alunos, eu não me enquadro nesse grupo). Esses são facilmente substituídos por um bom vídeo no Youtube (tem muita aula boa disponível na internet). Já os professores-artistas estudiosos, realmente apaixonados pelo que fazem, não. Esses precisam dos alunos ali, ao seu redor, dos seus olhares, das suas vozes, do seu calor. Para eles, ensino tem que ser de perto.

Sou fã de aulas expositivas, mas acho que o que realmente torna o professor imprescindível numa sala de aula é sua capacidade de dar sentido aos conteúdos ministrados através de atividades que façam os alunos pensar, resolver problemas, desenvolver projetos, trabalhar em equipe. E tudo isso – aulas expositivas bem elaboradas e atividades bem conduzidas –, quando valorizado pela direção da escola, promove um aprendizado diferenciado, bem acima da gritante mediocridade que hoje impera no ensino superior privado brasileiro.

Flávio Marcus da Silva
Enviado por Flávio Marcus da Silva em 07/10/2016
Código do texto: T5784402
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2016. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.