"Por quem os sinos Dobram"

O sino voltava a repicar e Lauro sabia que era da matriz, porém não conseguiria precisar de que lado estava, poderia estar bem próximo aos correios pelo ruído de varias vozes em certas horas do dia ou do centro cultural Hermes de Paula que recebia constantemente alunos para pesquisas, andava intensamente de um lado a outro naquele miúdo e insalubre espaço, mas a ansiedade não deixava o pensamento progredir. “Quatorze horas e trinta minutos” repetiu ao ouvir alguém dizer que estava na hora do seu Leobino tomar o remédio. “A voz é diferente daquela de ontem!” observou que o seu Leobino provavelmente era cuidado por duas pessoas talvez enfermeiros que lhe administrava medicamentos, a certeza era de que seria uma pessoa altamente passiva, apenas acatava ordens e seguia orientações. Certeza também era de que precisava fazer um contato com aquela gente, enviar algum sinal avisando que estava ali, preso por engano para ser trocado por cinqüenta mil reais, ou morreria dentro de vinte e quatro horas segundo uma mulher cheirando a perfume Dolce e Gabbana que lhe trazia água e comida. E se o cativeiro em que se encontrava fizesse parte da casa do tal Leobino? Inquietou-se mais uma vez com outras possibilidades, alucinações com a morte já lhe vinha sendo constante nos pesadelos, como a noite passada, por exemplo, em que dois homens vestidos de preto e encapuzados lhe puxaram para frente da Matriz, onde uma platéia de seres meio gente meio peixe esperavam a sua decapitação, entre tantas vozes reconhecera sua ex-mulher com um cartaz escrito em Mandarim “Filho da Puta”. Mas voltar em sonho ruim não ajudaria em nada naquele momento, precisava concentrar forças e coragem para buscar a liberdade. O sino repicou novamente, batida fúnebre que se ampliava dentro dele, era uma hora depois do ultimo toque, uma hora a menos na sua vida, “quinze horas e trinta minutos” naquele horário um delicioso cheiro de café fresco invadia suas narinas e uma voz de garota dependurada no celular gritaria como nos dias anteriores, “Manhê assa meu queijo e coloque no pão!” Talvez por muitos afazeres a mãe respondesse em um texto rigorosamente decorado, “Ô menina inútil, larga o celular e participe da vida, não sou sua escrava não ouviu?” Mas a fala nada tinha a ver com a pratica da realidade, tudo ficava em silêncio nos arredores até os sinos voltarem a tocar. Ocorreu-lhe subitamente a época em que namorava uma garota que trabalhava em uma livraria no centro de Montes Claros, era naquele fervor do Quarteirão do Povo que a moreninha de óculos arredondados escondia atrás do balcão, sua simpatia e sapiência fizeram Lauro se apaixonar perdidamente por Elizabete, no inicio correspondia aos seus galanteios, inclusive contou-lhe sobre um livro que gostava muito do escritor Norte-Americano Ernest Hemingway “Por quem os sinos dobram” Onde Robert Jordan um americano Professor de espanhol que se tornou conhecedor do uso de explosivos, recebeu a missão de explodir uma ponte por ocasião de um ataque à simultâneo a cidade de Segóvia. Acima de tudo o livro trata da condição humana da importância que cada vida tem para o universo. E Lauro sentia agora depois de tanto tempo, “Por quem os sinos dobram” Nas paredes escuras surgia aquela face menina de Elizabete, feito uma personagem de novela, falando as palavras corretas e indicando datas e horários de acontecimentos que mudaram a história do mundo, mas infelizmente alguém que gostava de viajar nos livros tomou-a para sua história, os dois devem ter fugido para alguma página. A mulher que cheirava perfume Dolce e Gabana entrou sem anunciar, usava touca e tinha uma arma na mão, ao seu lado um homem barrigudo de estatura média também de touca, a mão trazia uma corda e um pano preto. Truculento e cheirando a suor mandou que ele se virasse para o outro lado e cobriu seu rosto, passou-lhe a corda no pescoço e fez um psiu ao pé do ouvido, avisando que se abrisse a boca seria estrangulado. O sino repicou, desta vez ainda mais fúnebre, tinha cheiro de flores de velório infiltrado no seu olfato, um sentimento de perda se mesclava aquelas batidas que nunca foram tão lentas, repiques de sofreguidão e dor que dilaceravam seus últimos momentos. Sua cabeça voltava ao livro do escritor Norte Americano e regurgitavam as palavras da vendedora de livros, sentia saudades de tudo e um algoz arrependimento por não ter lido. Sabia que tinha um filme, porém também não assistira, o ultimo toque do sino coincidiu com um estalo de revolver, sua cabeça sofria a despedida do sino, não havia mais tempo de saber quem era Leobino, ou qual medicamento tomava, quem eram aquelas pessoas que revezavam nos seus cuidados. Tampouco a garota que comia queijo assado com pão feito pela mãe que reclamava sempre. Uma sirene uivava longe e Lauro parecia estar dentro de um sonho que tentava acordar, todavia mãos sem rostos lhe forçavam o tórax, apertava como se faz nos filmes médicos onde o paciente precisa ressuscitar. Tinha cheiro de sangue e choro naquele sonho, conseguiu acordar e se livrar daquelas mãos opressoras, das pessoas e daquela sensação de pavor que carregava, a mulher com cheiro de perfume também havia desaparecido com seu comparsa, Lauro estava livre, mas o deixaram em uma espécie de túnel escuro que se via uma pequena luz lá na frente, bem distante.