Espólio

quando eu morrer, deixarei:

alguns livros: romances, contos, poesia, história, filosofia.

roupa: pouca.

sapatos: dois, três pares.

um computador que

certamente

vai ter dado o máximo de si.

um celular ultrapassado, mas útil.

uma casa velha,

um carro velho.

escritos de próprio punho: diários, crônicas, contos:

muitos, com certeza,

mas com destino certo:

o lixo.

um seguro de vida (que eu ainda não posso acionar manualmente com nembutal ou arma de fogo, mas falta pouco).

uma pensão: pouca (se o inss não quebrar de vez até lá),

mas que será compensada pelo seguro,

que é bom.

gratidão, ingratidão,

rótulos: ele é assim, é assado.

memórias boas e ruins

nas mentes e corações de quem me conheceu,

até que a morte os leve de vez também,

ou o dr. alzheimer apague tudo com ácido e escuridão.

talvez.

ossos,

muitos ossos: mais de duzentos

no caixão.

e a imagem do meu corpo coberto de flores:

meu rosto como o de um boneco de cera,

se tudo não terminar como eu quero:

desaparecido para sempre numa floresta africana impenetrável,

numa fossa abissal do oceano índico indevassável

ou num vulcão em erupção.

nesses casos, nenhum osso,

nenhum boneco de cera para ser velado

sem poder se levantar e dar na cara de um ou outro imbecil que por lá passar.

resumo da ópera:

não valho nada.

ou quase nada.

Flávio Marcus da Silva
Enviado por Flávio Marcus da Silva em 15/10/2016
Código do texto: T5792177
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2016. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.