Espólio
quando eu morrer, deixarei:
alguns livros: romances, contos, poesia, história, filosofia.
roupa: pouca.
sapatos: dois, três pares.
um computador que
certamente
vai ter dado o máximo de si.
um celular ultrapassado, mas útil.
uma casa velha,
um carro velho.
escritos de próprio punho: diários, crônicas, contos:
muitos, com certeza,
mas com destino certo:
o lixo.
um seguro de vida (que eu ainda não posso acionar manualmente com nembutal ou arma de fogo, mas falta pouco).
uma pensão: pouca (se o inss não quebrar de vez até lá),
mas que será compensada pelo seguro,
que é bom.
gratidão, ingratidão,
rótulos: ele é assim, é assado.
memórias boas e ruins
nas mentes e corações de quem me conheceu,
até que a morte os leve de vez também,
ou o dr. alzheimer apague tudo com ácido e escuridão.
talvez.
ossos,
muitos ossos: mais de duzentos
no caixão.
e a imagem do meu corpo coberto de flores:
meu rosto como o de um boneco de cera,
se tudo não terminar como eu quero:
desaparecido para sempre numa floresta africana impenetrável,
numa fossa abissal do oceano índico indevassável
ou num vulcão em erupção.
nesses casos, nenhum osso,
nenhum boneco de cera para ser velado
sem poder se levantar e dar na cara de um ou outro imbecil que por lá passar.
resumo da ópera:
não valho nada.
ou quase nada.