CHAPEUZINHO É FOGO

Chapeuzinho Vermelho era dona de uma fábrica de doces chamada 'Doces da Vovó', que vendia tortas, bolos e outras guloseimas em quase todas as vilas e arraiais da região. Seu doce mais famoso era a Torta Azul do Bosque das Sombras, que antigamente era feita com frutinhas azuis das sombras, só encontradas no Bosque das Sombras, onde a fábrica se localizava. Porém, para diminuir os custos da produção, Chapeuzinho passou a utilizar essência artificial de framboesa e corante azul no recheio, ao invés de frutinhas, além de conservantes LAM II e LEURC III, para aumentar a durabilidade da torta e, consequentemente, os lucros da fábrica.

Chapeuzinho não aceitava ser contestada por ninguém e odiava qualquer ideia que não fosse dela ou de seus puxa-sacos, sempre ao seu redor, elogiando sua inteligência e astúcia. Tinha que ser informada de tudo que acontecia na fábrica. Não permitia segredinhos nem conversinhas de corredor.

Para enfraquecer a concorrência, Chapeuzinho Vermelho colocava fogo em outras fábricas ou explodia seus estoques de matérias-primas com dinamite, com a ajuda de seu fiel escudeiro, o Lobo Mal. Ninguém desconfiava dela, ou, se desconfiava, ficava caladinho, de medo. Ela era terrível.

Um dia, Chapeuzinho foi informada de que um de seus gerentes de produção estava tentando cultivar frutinhas azuis das sombras em estufa, praticamente sem custo algum, com o objetivo de introduzi-las novamente na Torta Azul e, assim, melhorar as vendas, já que, antes de ser feita com pós artificiais, a torta era muito mais apreciada na região.

Chapeuzinho não gostou nada dessa novidade. A ideia era excelente, mas não era de sua autoria – Chapeuzinho não tinha lá muita criatividade –, e o gerente de produção, além de não puxar seu saco, não tinha pedido sua autorização. Ah, o poder...

No dia seguinte o gerente recebeu um telefonema da Vovó, autora da receita original da Torta Azul do Bosque das Sombras. Ela lhe pedia que fosse à sua casa para conversarem, pois tinha ficado sabendo da sua ideia de cultivar as frutinhas azuis em estufa e estava muito feliz com a possibilidade de trazer de volta a torta original. (Na verdade não era a Vovó ao telefone, mas o Lobo Mal, que sabia imitar sua voz como ninguém).

Imediatamente o gerente se embrenhou no Bosque das Sombras em direção à casa da Vovó. Ao chegar lá, achou a porta aberta e entrou. Nada da Vovó. A casa estava suja, abandonada. “O que aconteceu com a Vovó?”, pensou o gerente, assustado com a desolação do lugar. Na cozinha, viu um bilhete colado na porta do forno dizendo: “Abra”. Ele abriu e, de repente, surgiu o Lobo Mal, que lhe golpeou a cabeça, empurrou-o para dentro do forno e ligou o fogo a 250 graus.

Uma hora depois, o Lobo retirou o corpo assado do forno, embrulhou-o em papel laminado e levou-o até Chapeuzinho Vermelho. A mesa do jantar já estava posta e Chapeuzinho, faminta. O Lobo serviu o gerente com molho inglês, manjericão e mostarda. Chapeuzinho só comeu uma fatia da coxa, um pedaço do fígado e um rim do gerente. O Lobo Mal comeu o resto.