O GARRAFEIRO
Minha mãe tinha dois filhos: Paulo e Pedro. Bem mais tarde nasceu Percília, minha irmã. Os dois já se foram... Meu irmão era comportado. Mas vez por outra fazia suas besteiras. Quando uma criança era levada a mãe precisava contê-la. Uma das saídas era colocar medo de alguma coisa. Uma psicologia da época. Menino ainda, vendedores e compradores, tipos mascates, andavam pelas ruas vendendo ou comprando alguma coisa. Minha mãe dizia que o garrafeiro, comprador de garrafas de vidros, arrastava um carrinho de mão de madeira, com alguns sacos cheios de garrafas. Além de sacos vazios. E comprava de porta em porta das casas das domésticas. E gritava com muita intensidade o chavão: “Garrafeiro!... Compro garrafas vazias! Pago bem!...” E por aí afora. Minha mãe um dia dissera que iria perguntar se ele comprava crianças que não obedeciam. Eu fiquei assustado. Era para mim o recado. Adquiri pavor de garrafeiros. Ao ouvir o chavão, procurava um canto qualquer para me esconder, por exemplo, dentro do guarda roupa com a porta entreaberta. No mais absoluto silêncio. Quando ia embora eu aparecia. E por um bom período ficava bonzinho. Funcionava. O danado do garrafeiro, quase em todas as semanas aparecia. Era seu meio de sobrevivência. Ele comprava baratinho e revendia por bom preço nos depósitos. Ao ouvir de longe seu anúncio, minha rotina era a mesma. Eu me escondia sempre. Minha mãe, então, ficava comentando em voz alta sobre a possibilidade de me vender. Ficava ouvindo quietinho tremendo de medo. Como eu poderia viver sem minha mãe e sem meu pai? Numa dessas vindas, fui me esconder embaixo da cama e gritei de dor. Resultado bati a minha cabeça na quina da cama e foi aquela encrenca. Minha mãe me pegou com o sangue escorrendo pelo rosto e saiu correndo comigo ao colo. Clamava por tudo que era santo, no caminho. Sentia-se responsável pela cena. Lá no pronto socorro médico, levei uns três pontos na cabeça. A partir daí ao ouvir a chegada do garrafeiro, procurava desfazer a imagem que ela me havia cultivada. Mas não adiantava. Eu sempre me escondia. O pânico havia se instalado... (Em 20/10/16)