E ainda por cima levei bronca de São Judas Tadeu.

Logo na infância eu ouvia falar de São Judas, o padroeiro das causas impossíveis. Com relativa frequência íamos à sua igreja no bairro paulistano do Jabaquara. Muitas vezes vi minha mãe acendendo velas pela saúde do meu irmão quando criança. Lembro-me dela também entrando de joelhos até o altar, em benefício da saúde ou pelo emprego do meu pai.

Íamos com a minha avó, também devota. Eu também rezava, mas com uma fé pouco esclarecida e sempre na tentativa de entendimento racional de tudo aquilo, passar a mão no pé da imagem do santo e se benzer, por exemplo. Mas eu ia junto. Sempre. E era aos domingos.

O Santo das causas impossíveis, dizia compenetrada a minha avó. Por isso ele era tão querido e respeitado na nossa família muito sofrida naqueles anos 50, 60, 70... enfim.

Resolvi conversar com o santo. Afinal, eu gosto de ter liberdade para me expressar. Não falo com malícia, mas sempre querendo compreender mais e mais. Essa é uma das minhas características natas, que não escolhi. Não sou Gabriela mas “eu nasci assim, eu cresci assim, vou ser sempre assim”. Converso com humildade , claro. Afinal, sou uma reles mortal que, certamente , passarei um bom tempo no purgatório até que decidam minha ida para o inferno mesmo.

- Bom dia, São Judas, tudo bem?

-Tudo, minha filha.

-Parabéns. É o seu dia. Desejo felicidades e muita vida. E desculpe a quantidade de erros que estamos cometendo. Perdão mesmo.

- Tá perdoada, filha.

- Pois é, São Judas , o Sr. é o santo das causas impossíveis e, embora muito envergonhada, eu gostaria que o Sr. olhasse com piedade pelo nosso país.

- O Brasil, né fia?

- Pois é.

-A coisa aí tá russa mesmo.

- Mas o Sr. é craque no que a gente não consegue resolver, não é? Quem sabe...

-Minha filha, eu trato do impossível, mas vocês extrapolaram. Vocês inventaram cada coisa fora do normal que até eu mesmo demoro a crer.

-Mas, santo...

- Eu intervinha por vocês, pedia ao Pai. Fiquei muito animado quando o Brasil saiu do mapa da fome e centenas passaram a estudar, a ter moradia, alguma dignidade. Pensei: valeu a pena tanta oração! E aí, o que fizeram? Eu não conseguia acreditar no que vocês fizeram. Veio um Zé Quarqué, um mauricinho filhinho de papai, perdeu as eleições, fez beicinho e começou a fazer a maior balbúrdia nesse país e um monte, quer dizer, milhares, caíram nessa conversa mole. Mas tudo era prá fazer com que o pobre voltasse a empobrecer, saísse da universidade, lugar de classe média, deixasse de ter dignidade. Ora, isso tudo estava escondido no coração dessa gente, bem guardadinho. Veio a oportunidade capitaneada pelo mauricinho das Alterosas e deu nisso. Eu me cansei. Rezei por vocês um monte e, na hora H, fizeram e ainda fazem um monte de bobagens. Vocês não tomam jeito mesmo. Quando estava muito cansado eu ia me deitar um pouquinho, curtindo a maciez das nuvens, fazia até um travesseirinho para me acomodar melhor. Quando eu começava a cochilar vinha um barulho dos infernos que não parava mais. Eu coçava os olhos, firmava bem a vista e olhava prá baixo. Só via um povão batendo panelas. Cruz-credo-na-parede, vocês não me deixavam nem dormir.

-Mas peraí, santo, não era todo mundo que batia panela que nem mentecapto.

- Mas batiam, filha. Eram milhares. E depois fizeram o que fizeram – acabaram com um projeto social e agora, só olha o que vocês têm aí.

- Santo, eu sei disso tudo. É triste, perverso, calamitoso, mas ... as causas impossíveis.

-O que você quer que eu faça, filha? Não vai me dizer que quer que eu coloque vergonha na cara desses parlamentares. Veroca, eles não querem nem saber de gente, de povo. Nunca souberam o que é fome e nem querem saber. Estão se lixando se existe pai e mãe de família desempregados e com contas a pagar. Lixam-se pelas crianças abandonadas e sem escola. São imbecilizados pelo poder, pelo dinheiro.

- Mas, Santo...

-Minha filha, eles querem ser assim: idiotizados, sádicos, arrogantes, senhores do mundo, prepotentes. Eu trato das causas impossíveis mas não sou mágico.

- Mas, quem sabe...

-Quem sabe o quê, guria? Entenda: NÃO TEM JEITO. Ou a sociedade se resolve, se define, aprende a dizer o que quer e o que não quer, coloca a corja na parede, luta com força e sem medo ou nada feito. E que trate de não se confundir mais , não cair mais em conversa fiada.

Esse povo me dá uma canseira. Pedem coisas prá mim que eu não posso fazer, passam a mão no meu pé... confesso que é bonita a fé, mas cada um tem que fazer a sua parte com responsabilidade e competência. Agora, pedir prá eu colocar vergonha na cara dessa curriola é demais, minha filha. Eu não aguento.

Depois de uma bronca desse tamanho, resolvi me calar, avexada, e disse: o Sr. está certo, Santo. Tenha uma boa noite.

Vera Moratta
Enviado por Vera Moratta em 28/10/2016
Código do texto: T5806228
Classificação de conteúdo: seguro