Cicatrizes

Eram duas da manhã quando ele subitamente acordou, completamente suado e ofegante. Naquele pequeno quarto estavam apenas ele e a luz da lua vista através da janela levemente molhada pelos pingos de água da fina chuva da madrugada.

Sentou-se na cama e colocou as mãos no rosto, esfregando-o. Levantou-se e foi para a sala. Acendeu um cigarro póximo a janela, com vista para a rua completamente vazia.

- Aquelas imagens de novo! - Resmugava.

Através de seu reflexo na janela, olhava as cicatrizes que compunham seu rosto. Com as cicatrizes, as lembranças. Com as lembranças, as dores. Olhava para fotos suas na estante, antes das guerras. A vida era mais fácil. Ele não apreciou. Em um breve momento de segundos em silêncio, ria de forma cética enquanto soltava a fumaça do cigarro.

- São as nossas cicatrizes que nos fazem.

Olhou novamente seu reflexo. Não havia cicatriz nenhuma. Nunca houve nenhuma cicatriz em sua pele. A verdadeira e mais aparente cicatriz de um ser humano nunca é aquela provocada na pele, mas sim aquela que existe na alma. Quantas delas ele tinha!

Marcello Morettoni
Enviado por Marcello Morettoni em 31/10/2016
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