PAI: SUPER-HERÓI

Essa é das antigas. Não sei porque acordei um tanto nostálgica hoje. Talvez porque tenha assistido a mais um episódio de Sex and the City, cujo o tema era: toda mulher precisa ser salva. Mas claro, o foco principal era voltado a relacionamentos com os homens, sexo etc. Mas pensei muito sobre o assunto, e lembranças da infância começaram a surgir na minha cabeça. Foram inúmeras as vezes em que me senti salva pelo meu pai. Mas tenho uma em especial, que merece ser descrita.

Eu tinha 10 anos, e estávamos indo para o sítio do primo Marco. A família toda, o inesquecível kit preparado pela mamis no pote branco da Tapeware: bife à milanesa (frio), e pão francês, e as regras para uma boa viagem: Cada um no seu lugar: O banco traseiro do lado direito era da minha irmã, o do lado esquerdo do meu irmão, e eu claro, no meio! Odiava! Mas não tinha escolha, sou a caçula, e esta por sua vez, simplesmente não tem vez! Por esse e outros motivos, eu viajava sempre emburrada, o que me resultou num apelido básico: a “Dodói”. Enquanto minha irmã, adolescente na época, escutava Erasure no seu walkman, pensando em algum paquera da escola, meu irmão fitava meu pai, que dirigia sempre imprudentemente, e acredito que isso era alucinante para o pré-adolescente que, a cada navalhada soltava seus: “nussa!! Ehe, massa! Da Hora”. E eu, a caçula, no mediano (e MERDIANO) lugar, não abria a boca, mas observava a tudo aquilo, fingindo um certo desinteresse. Meu pai adorava discursar, e desta vez o tema era pescaria. Por um instante parei de prestar atenção no mundo do banco traseiro (e merdiano), e enfiei a cabeça entre os bancos dianteiros de papis e mamis, pois queria muito saber a respeito. Então perguntei:

- O que precisa pra “pescar peixe” papai?

- Filha, você precisa de uma vara, uma boa isca, silêncio e muita concentração!

- Ahh! Onde eu compro uma vara de “pescar peixe” papai?

- Olha que boa idéia, meu primo deve ter, vamos testar hoje se você está preparada para “pescar peixe”.

Isso foi seguido de uma risadinha simpática, com ênfase no: “pescar peixe”. Claro que era peixe, o que mais eu poderia pescar?

Chegamos! Os cumprimentos demoraram séculos para mim. Eu queria ir pro rio logo e desbravar o mundo da pescaria o quanto antes. Mas seria indelicado de minha parte dizer isso enquanto as tias apertavam as 6 bochechas crescidas das recém-chegadas “crianças”. Assim que pude, fui logo falar com meu pai que já apreciava seu whisky com os primos:

- Papai, vamos pescar peixe?

- Opa filha, claro que vamos! Vou preparar o equipamento pra você!

Enquanto eu o aguardava, fantasiei o tal equipamento, com elementos provenientes de uma mente pueril: armaduras, submarinos, capacetes corta-fogo, um snorkel, pés de pato, a isca com espetinhos de churrasco para atrair os peixes, um escafandro de última geração, e claro, a vara de “pescar peixe”. Algo não fazia muito sentido...era muita coisa não?!

- Pronto filha! Aqui está sua vara. Eu te ensino, mas o resto é com você!

Depois de todas as instruções, que eram de longe muito diferentes dos meus devaneios, ele disse:

- Filha, vou para longe, assim você fica mais concentrada, e lembre-se: quando o peixe fisgar, puxe com toda a força que você tem!

- Está bem papai!

Então fiquei a sós com a tranqüilidade da natureza, e com os peixes que fisgariam minha isca. Meus pensamentos queriam de qualquer jeito sair dali, o silêncio era tão gostoso, que dava vontade de devanear ainda mais. Mas não podia. Lembre-se: “muita concentração”. Eu estava lutando tanto para não pensar nas minhas amiguinhas da escola, no Renato, meu namoradinho de dar as mãos, na tia da escola, na música nova do Villa-Lobos que teria que apresentar na audição...NHOCCCC!!! ahhhhhh (gritinho de criança, sabe).

- Papai!! Papai, socorro! Ahhhh!! Buááááá.

Larguei lá mesmo o equipamento todo e saí correndo daquele rio horrendo com criaturas do mal dentro dele! Me aproximei da roda dos mais velhos:

- Papão, papai, me ajuda! O peixe levou a minha vara de pescar peixe!

- Como assim filha, calma! Para de chorar! O que houve?

- Papai, eu estava concentrada, eu juro! Mas o peixe pegou com tudo a minha vara de pescar peixe, e eu quase fui pra água! Buáááá.

- vamos lá ver o que houve..

Chegando no rio, não só papai e eu, claro, a família toda, avistamos de longe a vara iiiindo....viiiindooo..que peixe mais filho da mãe! Ainda por cima ficou passeando com a minha vara! Hã!

Todos riram muito, o susto já havia passado, dando lugar para a vergonha. Então, voltei a chorar, mas agora o choro engolido, baixinho, quanto mais chorava mais vergonha eu sentia. E foi quando papai olhou assustado para todos e disse:

- Deus do céu! Não acredito no que estou vendo! Filha! Você fez muito bem em soltar a vara! Ahaha, isso aí garota!

Enquanto a família tentava entender sobre o que estava falando, papai manteve sua expressão assustada e orgulhosa ao mesmo tempo. E quando me viu enxugando as lágrimas, abriu um sorriso, me deu um abraço e disse:

- Filha, você se saiu muito bem como pescadora! Aquilo não era um peixe! Era um tubarão, um caçãozinho sabe?

- Ahnn?

- Sua vara não serve para isso, sua vara é apenas para pescar peixes, lembra?