O LOUCO

"O LOUCO.

Nasci e me criei em Taubaté, hoje moro em Pindamonhangaba, uma vez por semana vou até a minha terra natal. Morei durante minha infância e juventude na rua Dr. Pedro Costa, e vive as peraltices da minha infância na Santa Terezinha.

Todas as vezes que chego a minha cidade, a primeira coisa que faço é ir até este magnífico monumento religioso.

Gosto de ficar sentado em frente à imagem da Santa, e ali fico observando tudo o que acontece ao meu redor. Relembro a minha tenra idade, quando tudo era diferente, mas não estou ali agora para relembrar o passado, mas sim para ver algo de anormal no presente.

Estava eu sentado, olhando para a entrada principal da Igreja, quando um rapaz maltrapilho, cabelos longos ensebados, chinelos de dedo, óculo escuro se sentou no banco ao lado.

Tirou o óculo, como se quisesse ver com mais clareza a figura imponente da Santa que carinhosamente o olhava naquele instante.

Foi quando ouvi a sua voz, clara, límpida se dirigindo ao monumento a nossa frente.

--- bom dia minha santa, o frio da noite não me atormentou, mas creio que a senhora ai em pé, sem nenhuma cobertura tenha sentido muito frio? – ficou quieto, colocou uma mão no ouvido direito, como uma concha, como se ouvisse uma resposta a sua indagação.

--- hummm... Entendi, a senhora não sente frio, e eu não senti porque a senhora me acobertou com o seu manto.

Murmurei baixinho.

--- coitado, é louco.

Ele coçou a cabeça e depois remexeu o dedo no couro cabeludo, como se quisesse fazer uns cachos nos cabelos longos, porém sujos.

--- estou preocupado com os meus amigos, eles não tem a sua proteção. – resmungou baixinho, mas pude ouvi-lo claramente.

Ficou quieto. Como se escutasse uma resposta a sua lamúria.

--- compreendo... Quer que eu os traga até a Igreja, aqui é a casa de Deus. Acho que não aceitariam essa oferta, eles preferem a bebida alcoólica, pois assim se aquecem do frio.

Ficou quieto.

--- estou com fome.

Neste ponto do diálogo inusitado, o meu coração sentiu uma tristeza, uma dor diferente, um mal estar passageiro.

Levantei-me e fui sentar ao lado do jovem que me fazia lembrar Raul Seixas, um cantor que talvez poucos conheçam.

--- bom dia. – disse eu sentando-me ao seu lado.

--- bom dia. – respondeu ele, sem tirar os olhos da santa.

--- meu nome é Claiton, o seu?

--- não tenho nome, todos me chamam de O LOUCO. – ele sorriu.

--- todos nós temos um nome, talvez não queira dizer o seu. – insisti.

--- sim... Já tive um nome, agora não tenho mais, portanto agora para aqueles que se acham senis eu sou apenas o louco, não insisto em dizer o contrário, mas loucos são eles.

--- quer dizer que então que eu também estou incluso no hall dos senis?

--- talvez, podemos tirar essa dúvida.

--- como?

--- eu faço cinco perguntas e de acordo com as respostas, eu digo se você é senil ou louco como eu. Ele r

A proposta era muito interessante. Eu, que me achava conhecedor da verdade estaria sendo questionado por um jovem mendigo. Isso para alguns poderia parecer estranho, porém, eu achava a proposta maravilhosa.

--- pois bem. Você pergunta, e eu respondo, e no final você me dar o seu parecer sobre a minha senilidade. – concordei.

Ele coçou o ouvido, como se retirasse o cerume para melhor ouvir as minhas respostas.

Olhou em meus olhos, como se quisesse entrar na minha mente. Os seus olhos tinham o azul do céu, e o temor do inferno.

--- Quem é Deus para você?

A primeira questão já me deixava de pernas bambas, eu nunca tinha questionado esse assunto, mas tinha a minha opinião e precisava expressá-la com cuidado.

--- Deus, não manda, não obriga, não pede, não castiga, ele apenas espera que cumpramos o que é certo, temos pleno conhecimento do certo e do errado, e se de algum modo fazemos algo errado, certamente de alguma maneira isto terá que ser corrigido um dia.

--- boa resposta. --- Dê-me cinco itens primordiais para que um homem viva em paz consigo mesmo.

A segunda pergunta me deixava ainda mais incrédulo com o conhecimento que aquela figura que alguns denominavam de louco me fazia.

Pensei um pouco para responder.

--- saúde, família, amigos, trabalho, dinheiro.

O louco sorriu sorrateiramente. Coçou os cabelos atrás da nuca.

--- quase. – murmurou. Escutei um ruído característico do estomago quando estamos com fome, ele apertou as entranhas como se apertasse um corpo descontrolado.

Fez a terceira pergunta.

--- o que é mais importante para você, uma mulher, pode até mesmo ser a sua mulher, ou seus filhos.

Essa resposta eu não tinha dúvida.

--- por mais que um pai ou uma mãe ame a sua companheira ou companheiro, os filhos serão sempre mais importantes que qualquer outra coisa na vida de um casal.

Ele olhou em direção a Santa, murmurou alguma coisa, que desta vez eu não escutei, por mais que me esforçasse para ouvir.

Então veio a quarta pergunta.

--- se duas pessoas estivessem a sua frente uma jovem, e há outra muito velha, com muita fome, e você só tinha um prato de comida, para qual delas você daria o prato.

--- dividiria a comida entre os dois, poderia não saciar a fome, mas pelo menos aliviaria a dor que sentiam com o estomago vazio.

Acho que ele se referia a ele mesmo, ou pelo menos um deles seria EL LOUCO.

Agora o seu sorriso foi matreiro.

--- muito bem, então vamos para a última pergunta.

--- porque você me acha louco por estar conversando com a figura estática de uma Santa, e respondendo em voz alta o que somente eu escuto.

Agora eu tinha ficado entre a cruz e a espada. Eu não achava que ele fosse louco, mas também não concordava com aquele diálogo.

--- em momento algum eu o chamei de louco, acho estranho você conversar com uma figura em gesso ou cimento, sei lá, mas você mantém um diálogo e isso assusta os senis.

Ele apontou o dedo em riste em minha direção.

--- engraçado, eu o estava observando de longe, e percebi que você orou aos pés da Santa assim que chegou, e depois se sentou no banco e a ficou olhando para ela. Será que orar, não é o seu modo de conversar com ela.

O danado tinha me pego de calças curtas. O estomago do homem sem nome roncou como se pedisse comida. Então lhe fiz uma proposta.

--- diga-me o seu parecer sobre se sou senil ou louco, e vamos almoçar no Fritz.

O louco se levantou ao mesmo tempo em que eu, colocou a mão em meus ombros, recolocou os óculos escuros, pegou a mochila que estava caída ao lado do banco, e deu a resposta que eu tanto esperava.

--- LOUCO... Louco como eu, quem mais convidaria um estranho para almoçar, quem mais diria coisas particulares a alguém que nunca viu. Ele riu. Eu também ri.

O convite estava feito, teríamos que almoçar as escondidas no Fritz, pois muitas pessoas SENIS não aceitariam um maltrapilho junto a suas mesas. Almoçamos bem no cantinho, em um lugar onde o garçom que eu chamo de Palmeirense nos arrumou, a conversa se prolongou, eu tinha ganhado um grande amigo.

Não adianta procurarem pelo El Louco na Santa Terezinha, hoje ele tem residência fixa, não é meu amigo?.