FÚTIL X ÚTIL

Eu já estava pronta pra mais um dia de luta. Banho tomado, maquiagem feita, mas ainda faltava acabar de deliciar meu divino e mega calórico café-da-manhã, com bolo de chocolate, cereais, frutas, um belo queijo-quente do tamanho do nosso país..quando o zelador tocou a campainha. Foi uma gentileza ele vir até meu apê pra me trazer a correspondência, juntamente com minha revista Nova!

- Eba!! Já chegou a Nova! Que bom...hmmm..

Graziela na capa, aquela loira que ficou rica da noite pro dia, por ter participado de um daqueles programas xaropes, onde ninguém faz nada além que ficar de bunda pro sol, ou malhando o corpo ou malhando alguém. Detesto aquilo! Nossa será que ela pôs silicone? Que peitão! É, acho que sim..ficou bom! Bonito mesmo! É..silicone...hmm.

Comecei a me observar no espelho da sala, virei a cabeça pra um lado, pro outro, o corpo também, me virava de perfil, de frente..na verdade estava mesmo olhando meu peito. E se ele fosse um pouquiiiiiinho maior hein..uau! olha só! (já estava com as duas mãos apertando e subindo os coitadinhos, que nunca haviam sido tão rejeitados como naquele momento). Mas vou deixar pra pensar nisso depois. Vamos ao trabalho!

Ao chegar no escritório, pontualmente devo dizer (e me gabar), já havia um recado pra mim. Era minha mãe, me pedindo pra acompanhá-la em um exame que a deixaria dopada demais para dirigir. Troquei meu almoço por esse passeio: rumo ao consultório médico de mamis!

Fiquei na sala de espera lendo “Caras”, que poderíamos chamar hoje em dia de ”Peitos”. Acredito que a única mulher da revista que use uma numeração normal seja a Sandy! E mesmo assim porque o Chitãozinho ainda não morreu. Mas como é bonito silicone não!? Ok, hora de assumir: Desde adolescente, enquanto a maioria das meninas ganhava os seios azeitonas, eu estava recebendo uma graça divina (duas, no caso), algo como lados anexos no quadris. Os famosos culotes! Claro que recebia vários apelidos como: MarIçá, absorvente com abas, vaso chinês, mulata do Sargentelli, pêra..e o pior: violoncelo (nem violão era!). Portanto, enquanto as azeitoninhas da Malásia se orgulhavam daquela miséria que tinham, eu estava abundantemente complexada por ser a mais brasileira de todas. Queria de qualquer jeito fazer lipo, mas claro que teria que esperar uns bons anos. Enquanto isso fui me transformando numa pessoa totalmente oca, com a vida e a cabeça voltadas para as coisas mais fúteis como: dieta, academia, tratamentos estéticos. Minha leitura era Boa Forma, Dieta Já, enfim.. eu era uma “quase-anoréxica”, com a diferença de que as anoréxicas geralmente são magras! Ao completar 18 anos fiz a primeira consulta. Palavras do Dr. Fernando:

- Olha, como médico digo que você tem uma indicação sim, mas como homem, eu digo que você não precisa nem pensar nisso, é lindo!

Me senti assediada! Não lhe dei liberdade alguma pra me dizer a sua opinião “como homem” ahh, vá vá vá!

Agora, 10 anos depois lá estava eu, relembrando o fato. Junto com essas lembranças, veio o brinde pra mim: claro, a vontade reapareceu lá dizendo: ah boba, já pensou você lipoesculpida? E melhor: com seios em forma de bunda, pra chamar bastante atenção! Mais sensual..ahhh! Aproveita, está na moda, e agora você pode pagar! Vai! Faça isso por você! Está bem, pensei, vou mesmo me sentir mais sexy e confiante com seios de silicone, sem quadril do tamanho do meu queijo quente (e do nosso país), e quem sabe, acho até que vou preencher meus lábios também! Afinal em tempos de Angelina Jolie, me sinto a Monalisa. É isso aí! quinta-feira, 2 da tarde, ao lado de casa.

Ao entrar no consultório já fui logo falando tudo o que queria fazer. Eu estava parecendo uma criança na sorveteria, quero todos os sabores, 312 bolas! Ele me observava analisando cada gesto, cada palavra. Quando finalmente ele teve a chance de falar:

- Vamos examinar..hmm..Veja bem Mariana, a prioridade seria a lipo nesses colutes aqui não é mesmo? (ele apertava com TODOS OS DEDOS, dando a impressão de que pegava dois globos terrestres!). Agora vamos aos seios, você quer por quanto?

Ahnn?? Como assim quanto? 400 ml, será? Sei lá, eu não tenho noção dessas coisas não...mas com toda a delicadeza e jogo de cintura tão necessários, falei:

- Ah Doutor, qual a indicação do senhor, o que o senhor me sugere?

- Mariana, você não teria nem indicação, seria mais pra dar uma levantada na auto-estima, então colocaria 150ml, no máximo. Você já viu um silicone de perto? Vou te mostrar.

A hora que ele voltou, vi um saco branco na mão dele, de onde- pensei- ele tiraria o silicone de lá. Não. Ele não tirou nada. O saco era o silicone. O silicone era o saco. O saco era o peito que eu achava bonito? Aquele saco branco, grande, esquisito, grosseiro? Que isso!? Nossa, mas nunca, nunquinha mesmo que alguém colocaria aquilo dentro de mim! Eu hein!

Eu nunca tinha visto um silicone, nem mesmo pela TV, porque tenho pavor de sangue, então sempre evito cenas fortes como partos, cirurgias e filmes de terror, o que na minha opinião, são três sinônimos!

Não preciso dizer que mudei de idéia. Não me vejo com duas sacolas dentro da minha pele, fingindo que aquilo seria peito! É lindo, maravilhoso e admiro as mulheres que tiveram coragem para isso! Mas não era meu caso, fiquei com medo e desencanei!

Ainda em estado de choque, pensei numa outra forma de investir meu dinheiro. Chegando em casa fui navegar um pouco. Digitei “Itália” no Google e pesquisei, li, adorei! É isso! Está mais que decidido! Vou conhecer a Europa com meu próprio peito, e levar meu abundante traseiro para conhecer um pouco mais de cultura útil!