Uma parte da Crônica da minha vida.

Não poderia começar com "era uma vez", mesmo se fosse um conto de fadas. Contos de fadas são bons, mas ter quem amamos carnalmente e realmente em nossas vidas não tem preço, nem tamanho na explicação.

Uma mulher como variadas outras, cheia de vida e um sorriso lindo, porém diferenciada para mim, por ser base de alegria, exemplos, além de ter originado minha oportunidade de viver. Essa mulher é minha mãe, e além de mim, me deu um irmão lindo. Nas entrelinhas de sua história, observava sua preocupação com a beleza, cabelos tinham que estar impecáveis, sorriso conservado, além do seu enorme carinho apesar do temperamento forte. Juntos mesmo com todas dificuldades, adorávamos aquele seu frango no molho, e quando nos reuníamos na páscoa para assistir aos filmes clássicos da história de Jesus, junto com os prazerosos ovos de chocolate. Para nós ela era pai e mãe, meu pai faleceu quando tinha 4 anos, já o pai do meu irmão não o assumiu, e se mudou para o norte.

Isso não era o maior problema em nossas vidas, tínhamos e temos uma família linda, avós, tios e primos.

Infelizmente, a vida não nos proporciona apenas um mar de rosas. Assim como o vício de meu pai consumiu sua saúde em vida, o álcool também foi consumindo os ideais de nossa mãe. Ela já não ficava tanto conosco, era comum dormirmos com nossa vó, e a falta dela já doía. Certas dores não tem explicações para o mundo infantil, mas tínhamos que nos lidar com ela. O sofrimento me fez tentar duas vezes o suicídio, por vê-la partir daquele portão, para o mundo macabro que investia todo seu amor, virando as costas para nosso amor tão puro.

Lágrimas caiam de forma constante, mas ainda estava por piorar. Em nossa inocência de pensamentos, o choque foi imenso quando eu soube de uma das piores notícias da minha vida. Por palavras tão sublimes, a realidade se mostrou inerte, minha mãe não era apenas alcoólatra, ela levava nossos mantimentos, que eram tão suados para conseguir, por ter voltado a ser uma dependente química, também viciada não apenas em cocaína, como também no crack.

Foi como se o mundo tivesse parado, foi como se toda a felicidade tivesse acabado, mas não era o término, e sim um início do sentimento do previsível fim. Ela já não se importava como antes, seus amigos tinham suas mesmas características, e sua frieza era clara. Enxerguei a escuridão tão próxima, a destruição de sonhos, a desistência de minha própria mãe de sonhar. Eu não conseguia acreditar, eu não conseguia aceitar e me acomodar com sua desistência, eu queria lutar por ela, recuperar sua verdade de espírito, sua saúde carnal, eu queria ela de volta. Eu quis tanto, que cai em depressão profunda, e aí, eu já não tinha mais esperança por mim mesma. Mas a vida não poderia acabar assim, tão cedo, tão jovem. Eu recuperei forças, eu conseguir vencer a vontade da tristeza, e a troquei por a de ser feliz. Meu irmão porém, reagiu diferente, se viu desafiado a seguir os mesmos caminhos, e se tornou réu do mesmo pesadelo. Com 16 anos já seguia o caminho agonizante. Agora o desespero se dividia em dois.

O sentimento de raiva substituiu a dor por muito tempo, mas para meu próprio bem necessitava aceitar a minha realidade junto da dela. É difícil de entender, a frieza de uma mãe, e muito mais complicado procurar o porque de uma pessoa que nos fez e como era pra nos fazer bem, estar nos fazendo tão mal.

Hoje meu irmão está mudando, e essa felicidade não tem preço, aquele sofrimento não tinha e não tem explicação, hoje, os cabelos daquela linda mulher estão despenteados, seu sorriso está vazio, seu corpo é consumido pela praga do século XXI, sua mente anda meia bagunçada, seu amor é inconstante, mas a sua dependência é plena. Mesmo assim, meu amor por ela não diminui, nosso amor tem esperança de um dia tê-la de volta, nosso amor insiste que em quanto tiver vida, ela possa escolher pelo caminho de luz.