O RELÓGIO

Na sei precisar o ano, isso acontece quando a idade vem chegando.

Havia um tio da mãe dos meus filhos chamado Antonio Castilho, que eu chamava carinhosamente de tio Toninho. Ele tinha 3 filhos, Carlinhos, Regina e uma outra menina que neste momento não consigo lembrar o nome.

Eu e Carlinhos nos dávamos muito bem. Ele se formou em engenharia na Unitau. Sua inteligência era exacerbada, logo foi contratado pela empresa que estava construindo Furnas e acessou logo um cargo de chefia, ficando em uma situação financeira privilegiada.

Eu tinha parado com os meus estudos e sempre que nos encontrávamos ele pedia.

---- claiton volte a estudar.

Porém vieram os filhos e só fui concluir meus estudos aos 50 anos.

Carlinhos tinha pouco tempo para o seu lazer e descanso. Vivia tenso e estressado, porém mantinha o coração meigo e doce.

Um dia ele me chamou para uma conversa.

--- claiton, apareceu uma lesão em minha costas e vou fazer uma biópsia, conforme o resultado vou fazer uma cirurgia.

--- fique tranquilo, não vai dar nada, logo estará trabalhando novamente a todo vapor. - disse eu abraçando aquele corpo franzino que ele tinha.

Os dias se passaram.

Eu trabalhando, tentando vencer na vida, desfrutando de poucos recursos com o meu pequeno comércio no Mercado Municipal de Taubaté.

Estava trabalhando quando o tio Toninho chegou.

--- oi claiton. Tudo bem.

--- tudo tio. Aconteceu alguma coisa? - preguntei cumprimentando o com um abraço bem apertado. Seus olhos estavam cheios de lagrimas.

--- sim. O Carlinhos quer falar com você.

--- claro. Onde ele está.

--- no hospital santa isabel, esta muito doente.

--- o que aconteceu? - insisti.

--- vá visita-lo e ele lhe diz.

--- vou sim tio, vou amanhã sem falta.

Na manhã seguinte lá estava eu 4 andar do Hospital.

Entrei sorrindo e sai depois aos prantos.

Carlinhos tinha feito a biopsia e o laudo tinha dado Melanoma Invasivo. Ele tinha tentado tratamento em São Paulo, mas o câncer evoluiu rapidamente.

--- como você esta Claiton?

--- na mesma luta de sempre dando murro em ponta de faca. - ele esboçou um sorriso.

--- como eu disse você precisa estudar.

--- eu sei, um dia ainda farei isso. E você, como está?

--- de mau a pior, sei o que tenho e sei que o prognóstico é ruim por isso te chamei aqui.

--- esta desistindo muito rápido. - ponderei.

--- chamei você aqui para discutirmos não sobre a minha doença mas sim para falarmos sobre o seu relógio.

Esbocei um sorriso. Meu relógio de pulso não valia um tostão furado. Era digital e de plástico preto. Comprei na Barganha por quase nada.

--- tá, qual o interesse em meu relógio? - indaguei.

Ele retirou do pulso um relógio de ouro da marca Rolex.

--- eu quero fazer uma troca com você, como o tio Vito diz uma barganha, o meu pelo seu. - ele falava sério. Talvez a doença estivesse afetando o seu cérebro.

--- Carlinhos, não posso aceitar isso. O seu relógio compra milhares do meu, não é uma troca justa.

Ele tossiu uma, duas e três vezes. Escarrou em um vasilhame ao lado da cama.

Tio Toninho me puxou do lado.

--- Claiton aceite a troca. Ele quer te ajudar.

--- não posso tio, preciso de dinheiro mas não posso.

Meu tio ficou exaltado. --- não vê que ele esta morrendo.

--- vejo, mas não quero fazer a troca. Vamos fazer o seguinte troco com ele para que isso lhe dê tranquilidade e assim que eu sair do quarto eu lhe devolvo e o senhor guarda. O meu eu quero que ele use até a partida, porém quando ele se for quero guarda-lo de lembrança.

Fui visitar Carlinhos duas vezes antes que ele partisse para uma outra vida.

Antes de entrar no quarto tio Toninho me fazia colocar o Rolex.

Carlinhos segurava em minha mão e mostrava a sua com o meu relógio preto digital. Depois dizia já quase sem voz.

--- eu fiz uma boa Barganha .

Sorria como um menino arteiro que estivesse pregando uma peça na Morte.

Dias depois da última visita ele faleceu ainda muito jovem talvez com um pouco mais de 30 anos.

Usei o meu relógio preto digital ainda por muitos anos, até que finalmente ele também se foi perdido em uma noite de chuva intensa no meio da água que corria pela rua.