Pesadelo

Pássaros se empoleiravam temendo aquilo que se oculta atrás das sombras. Gemidos de dores agudas ecoavam das fendas surgidas no solo. Era noite e a lua minguante se enganchava nos galhos secos do Umbuzeiro, almas sem rumos tateavam em busca de corpos. No céu negro passeava um porco com asas de gafanhoto, sobre ele montava um peixe vestido de soldado segurando uma corrente que prendia uma cruz. Cordélia era esquartejada por dois homens com cabeças de bodes usando machados e facões. Um deles tinha forma esquelética e soprava fogo pela boca o outro era gordo e tinha os pés voltados para trás. Mesmo morta ela sentia as pancadas desfigurarem seu corpo e, podia ouvir o ruído do sangue se esvaindo das artérias, cobras vinham de todas as partes banharem-se naquele fluxo que não coagulava, um senhor de baixa estatura, andar cansado e roupas em frangalhos, passou ao lado dela arrastando um caixão e uma vela acesa, parou em sinal de respeito fazendo o sinal da cruz, seus olhos estavam perfurados e a boca costurada com arame, mesmo assim ele assoviava sua marcha fúnebre. Abriu-se um buraco no firmamento, uma luz intensa derramou sobre Cordélia. Um dos esquartejadores murmurou alguma coisa, pararam os dois, as cabeças foram alçadas para a luz. Ela viu que seus dorsos eram repletos de rostos das mais diferentes expressões mergulhados em suas peles elásticas, homens, mulheres, crianças e animais. Os pais dela surgiram das fendas do solo e foram tragados pela claridade que passou a girar feito tufão. Cordélia assistiu a própria ascendência, foi se decompondo, banhando com seu próprio sangue — Cordélia! Cordélia! Acorda filha, o que está acontecendo?! – Dona Alamita ao ouvir os gritos da filha veio imediatamente — Ai mãe, ai mãe de novo, é horrível! Aqueles bichos... Eu via vocês, aquela luz. Eu também subia o que será isso?! - Bradava junto à mãe que a acalentava nos meio dos braços rezando baixinho. — Ó Bem-aventurada Virgem Maria, mãe de Nosso Senhor Jesus Cristo Salvador do Mundo, Rainha do Céu. Desterradora dos maus pensamentos, dos sonhos pavorosos... Cordélia suspirava, voltava a dormir. Dona Alamita fez o sinal da cruz na testa dela. — Cobri-nos com o vosso manto maternal, ó divina estrela dos montes. Desterrai de nós todos os males e maldições Afugentai de nós a peste e os desassossegos e dê bons sonhos a minha filha! Desidério o pai, parou na porta do quarto com um cigarro apagado na boca, não se aproximou, saiu riscando o fósforo e parou a alguns metros no corredor para a sala, escutava os clamores da esposa. Na velha cadeira da varanda soprava a fumaça do cigarro e se balançava, na memória atormentada ouvia as ultimas palavras daquele Padre; “Maldito ladrão, eu te amaldiçôo por todas as suas gerações! Que o demônio se apodere do filho que você mais gostar! Ladrão, Assassino!.