Sexta feira santa...


Era sexta feira ...
Para minha maior surpresa, todos estavam em casa. Não sabia o porque mas, tinha receio de perguntar. Queria ficar o mais invisível possível naquele dia ... eu sabia o que poderia acontecer caso falasse algo ou esboçasse qualquer sinal da minha presença.
Madrinha, para não perder o costume, se deliciava na arte de dar ordens com gritos insuportáveis e me fazer realizar os trabalho e retrabalhos de cada coisa que por acaso achasse que não estava do jeito que ela queria.
Naquele dia, falava-se de um jejum que todos eram obrigados a acatar e sobre os horários das refeições que deveriam ser seguidos à risca.
Ao lado da casa, numa pequena área de serviços, eu tentava controlar o fogão à lenha que fumegava, qual fosse uma velha locomotiva que eu tinha visto uma vez numa revista, sobre o qual uma panela borbulhava anunciando que estava quase na hora de retirá-la dali.
Perdida em meus pensamentos, principalmente porque eu não me sentia bem com a presença de Madrinha o dia inteiro em casa, não sei se por descuido ou distração, a panela efervescente acabou virando sobre o meu braço, causando queimaduras e dores insuportáveis ... várias bolhas foram se formando ao longo da área atingida.
Mesmo assim, não tinha tempo para me impressionar com o ocorrido, e sim cuidar do almoço que não podia atrasar  Me esforcei o máximo que pude para que às 12:00 horas em ponto eu pudesse serví-lo. Fui colocando tudo na mesa mas, acabei esquecendo de algo: a farinha.
Madrinha reclamava e dizia que peixe sem farinha não prestava.
Levei a primeira surra do dia e, choramingando, submissa, do jeito que Madrinha sempre gostava de me colocar, saí para comprar a farinha.
Eu não tinha mais forças para aguentar e, uma vez mais sucumbi à torrente de soluços que me abraçava e me envolvia em tanta tristeza ... eu não merecia isso !!!
Apesar de eu tentar fazer de tudo para agradá-la, não seria bom que ela soubesse o quanto a detestava.
Ao chegar na quitanda, um pequeno comercio da localidade, o balconista me olhou e disse: - Sua Madrinha não respeitou nem a sexta feira santa?
E meneou, negativamente, a cabeça, como querendo indagar alguma coisa a alguém que eu não conseguia enxergar.
Tinha chovido muito, e todos se recolhiam para descansar enquanto eu continuava com as minhas tarefas.
Precisava colocar tudo em seus devidos lugares.
À noite Carla me convidou para sair ... fomos passear na pracinha. Encontrei alguns amigos da escola, só que eu não estava bem ... queria ficar sozinha.
Eu tinha vergonha das marcas de surras que cobriam o meu corpo. Afinal eu já estava ficando uma mocinha, e sentia uma vontade enorme de fugir daquela casa pra nunca mais ver aquela mulher, a quem todas as noites eu tinha que tomar a benção antes de dormir.
Carla viu o meu braço, me tocou na testa e percebeu que eu estava com febre.
Fomos direto à farmácia onde fui medicada e lá, passaram uma pomada para me aliviarem as dores do braço.
Às vezes olho para trás e vejo a bondade de Deus sobre nós ... por pior que seja a jornada , Ele sempre coloca um anjo bom do nosso lado.
Maria Araujo
Enviado por Maria Araujo em 16/12/2016
Reeditado em 16/12/2016
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