O Dia em que Passei a Gostar das Narrativas de Terror
O Dia em que Passei a Gostar das Narrativas de Terror
Não sou fã de obras que abordam o gênero terror. Comungo da opinião daqueles que acreditam que já vivenciamos o terror no dia a dia de nossas vidas. Mas, aquela velha opinião pode mudar, como nos ensinou o Ilustre Raul Seixas, a metamorfose é preciso em nossa vida. Estou lendo Edgar Allan Poe, mais necessariamente, o seu livro Histórias Extraordinárias. São pequenos contos de terror, mas capaz de assustar o leitor iniciante nesse gênero. No entanto, sendo o leitor brasileiro, provavelmente não terá sua cota de susto alterada, uma vez que já estamos habituados às notícias de terror vindas de Brasília.
Pois bem, nesse domingo, primeiro dia de 2017, fechei o livro de Poe e fui com minha esposa prestigiar os vereadores e o prefeito eleitos para o mandato 2017 – 2020. A posse estava marcada para às 16 horas, mas como se trata de política, já se sabe né. Então, cheguemos às 16:30 e nos sentamos nas cadeiras que estavam razoavelmente organizadas para os convidados. Mal sabia eu que as cenas de terror, aquelas do mundo fictício, as que eu me recordava do livro do Poe, estavam prestes a saltarem das páginas do livro para a vida real. O mestre de cerimônia iniciou o ritual de posse convidando a todos para entoarem o Hino Nacional, o que prontamente atendido pelos presentes. Aquele momento me fez lembrar minha época de escola, antigo primário, quando a diretora mandava que a gente cantasse o hino nacional e nós, claro, cantávamos, mesmo sem saber o significado. A sena se repetia, as pessoas entoavam o hino, como verdadeiros patriotas. Pobres inocentes, eu só me lembrava das narrativas de Poe – terror, era o que eu associava àquele momento.
Nada, Poe se fez presente mesmo, com toda a força de suas narrativas, foi no passo seguinte, quando os ilustres vereadores já devidamente empossados se organizaram para a votação da Mesa Diretora. Foi um momento de angústia para todos os presentes de bom caráter, justamente aqueles que não estavam sendo empossados. A eleição para presidente da câmara dos vereadores foi chapa única, votação unânime. Em total de 11 vereadores, não teve oposição. Ficamos em silêncio, abismados tamanho foi a demagogia daqueles que estavam ali sendo empossados para representar o povo. Uma população de 21 mil habitantes escolheu 11 representantes, porém, eles, em um processo ainda não descoberto pela ciência nem explicado pelas religiões, transformaram-se em apenas uma única voz, uma única ideia. Claro leitor, não é necessário explicar o que estava por trás daquela homogeneidade.
A cerimônia continuou, enquanto eu pensava o quão Poe perdeu em não está presente naquele momento. Seus contos seriam mais aterrorizantes. Naquela tarde de domingo pude compreender o quanto a hipocrisia impera no ceio político. Candidatos a vereadores que fizeram oposição ferrenha, trocas de farpas, ofensas mútuas, incitando os eleitores à briga, agora eram tratados como amigos, companheiros, irmãos. Uma dúvida me veio naquele momento: O que teria acontecido para aquela brusca mudança? Seria o espírito natalino? Acho bem provável que não. Talvez o amor à democracia.
Melhor seria seu tivesse ficado em minha casa, lendo meu querido Poe. O terror presente em sua obra é mais leve do que o que eu presenciei naquela cerimônia. O melhor estava reservado para o final, quando já estava de saída, pois tinha decidido que não suportaria mais tanto terror. O que eu denominei de Pérolas do ano novo foram os discursos dos autores das cenas de terror que narrei acima. Peguei meu celular e comecei a anotar as tais pérolas do ano novo. Posso adiantar que 2017 não merece essas pérolas: “representando o povo”; “em nome do povo”; “defendendo os interesses do povo”; “resgatar as esperanças do povo”; lutar ainda mais pelo povo”; Foram alguns dos que se pronunciaram, imagine o que ficou guardado na profundeza da mente daqueles que não fizeram o uso da palavra – ainda bem.
Descobrir uma coisa aquela tarde – sou fã de narrativas de terror, mas apenas o do mundo da ficção- esta, você pode parar quando não suportar mais. A outra, a que presenciei naquela bela tarde de domingo, não podemos fugir, seremos vítimas dela durante, no mínimo, quatro anos.