O raposo da Ana Luiza

Havia uma cerca entre as vizinhas. Do lado de lá, uma família simples, mas com poucos filhos, que esbanjavam seus brinquedos no quintal de sua casa. O que era suficiente para encher os olhos daquelas crianças do outro lado, que pelas fronteiras das cercas, chegavam a desejar ardentemente alguns daqueles brinquedos empilhados e muitos sem sequer serem usados.

Do lado de cá a família era tão numerosa que o pouco recurso existente, mal dava para comer e vestir. Então, brincar era daquele jeito. De improviso, brinquedos criados pela própria necessidade daquelas crianças enérgicas e ávidas por brincar. O que havia de comum era que também estas brincavam no quintal de casa, mas à sombra da mangueira, da goiabeira e do enorme pé de ciriguela. E, por haver espaço suficiente, corriam, subiam nas árvores, faziam casas barramento de água, construindo grandes açudes, pois havia muito bicho (vaca, representado pela coleção de ossos de pé de porco e boi) para saciar a sede. Contudo essas brincadeiras também se tornavam enfadonhas. Então, as vizinhanças mirins começam a se aproximar.

De uma lado, uma menina que brincava sozinha, Ana Luiza, já que o irmão já não brincava mais com ela. Do outro, uma trupe de crianças que esbanjavam alegria, energia, criatividade, fazendo com que Ana Luiza buscasse maior proximidade, para tornar sua brincadeira mais alegre. E respondendo ao convite, foram as duas mais novas, Likinha e Kéup’s, pois os demais tinham idades um pouco mais adiantadas.

E foi assim, uma tarde tão feliz, que parece ter voado, e a alegria dessas duas não cabiam dentro de si, pois pela primeira vez tinham à disposição tantos brinquedos. E quando cansaram de brincar e sendo hora de retornar, as duas olharam ao mesmo tempo para um brinquedo em particular, que lhes tinha despertado interesse inenarrável. Era um raposo, feito de um plástico flexível, que se emitia um barulho quando apertado. Aquilo nunca antes experimentado, deleitou as imaginações das duas e elas almejaram ter um daqueles: um raposo. E em meio a tantos brinquedos, aquele não faria falta. E então, com a astúcia da mais velha, Likinha, cinco anos, que deu a dica para Kéup’s, um ano mais nova, que deixasse o raposo ao pé da cerca e, logo mais, ao anoitecer, elas irem buscar, sem levantar suspeitas.

Ao cair da noite, o raposo logo foi extraído do entremeio da cerca. E elas brincaram muito naquela noite, incansavelmente, mas às escondidas da mãe, pois se esta visse não aceitaria e elas não podiam ficar sem o raposo.

Acontece que aquele também era o brinquedo mais apreciado por Ana Luiza. E ela, no dia seguinte, logo sentiu falta. A mãe desta procurou sua vizinha, indagando se por acaso, as crianças não tinham confundido e levado o raposo.

Foi então o momento do aperreio das duas. A pergunta foi feita e refeitas por diversas vezes. Tendo sido negado. Likinha, com sua pose de certinha, jogou a responsabilidade para a menor, já que esta era mais sapeca e suas peripécias eram previsíveis. Mas acompanhava sua irmã e a mãe pela casa e piscava para que Kéup’s negasse. E esta assim fazia, mas mãe insistia:

_ Cadê o raposo da Ana Luiza? _ A indagação era feita enquanto a pequena era conduzida pela mão e esta dizia:

_ Escondi.

E a mãe perguntava:

_ Onde?

E ela:

_ Na mangueira.

Mas quando lá chegaram, não havia nada. Pois a menina tentara driblar a mãe, ocultando o verdadeiro lugar em que guardaram o brinquedo. E por isso, ela disse estar em vários lugares e quando chegavam lá, não estava. E ela dizia não lembrar onde havia colocado o brinquedo. Mas a mãe, perdendo a paciência, disse que as duas teriam um grande castigo se não revelassem logo. E a pequena revelou instantaneamente. Quando indagada novamente, ela respondeu:

Cadê o raposo da Ana Luiza?

_ Escondi...

_ Onde?

_ Debaixo da cama!

De fato, estava lá. Mas não terminava ali, pois a mãe das meninas, lhes obrigou a ir devolver o raposo e dizer o que ela orientara. Então as duas meninas seguiram de mãos dadas, sob a companhia da mãe. E então, Kéup’s falou:

_ Tá aqui Ana Luiza, seu raposo, que eu roubei porque eu sou ‘ladrona’.

Enquanto a mãe observava, refletiu que, apesar da tenra idade, certamente pelo constrangimento vivido, aquelas meninas nunca mais levariam nada de ninguém.

Nila Poeta
Enviado por Nila Poeta em 06/01/2017
Reeditado em 06/01/2017
Código do texto: T5873808
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