O HOMEM INVISÍVEL

Quando criança, lembro-me que em uma ocasião eu caminhava pela calçada de mãos dadas com meu pai, foi quando me surpreendi ao ver em frente ao cinema da cidade um filme em cartaz, denominado "O HOMEM INVISÍVEL". Éramos pobres, mas, como era próximo ao natal, decidi que queria o presente antecipado: assistir ao filme no dia subsequente, na sessão liberada às crianças.

Explicarei minha surpresa ao ver o cartaz: pouco tempo antes eu havia lido um livro homônimo, do escritor Herbert George Wells, que minha mãe ganhara junto de outras velharias em um de seus trabalhos de doméstica. O enredo, os personagens, tudo era fascinante, mas o que mexeu com minha imaginação e fez com que eu lesse todo o romance em poucos dias foi a sensação de conjecturar e imaginar como seria se eu possuísse tal habilidade: em minha ingenuidade eu imaginava que poderia invadir plantações e pomares e me deliciar com as mais belas e deliciosas frutas, enquanto riria da cara dos donos ao olharem chocados suas plantações sendo atacadas por algo "sobrenatural"; via-me a pregar peças nos garotos malvados da rua, que correriam pasmados a chorar feito mocinhas.... Pois bem, eis o motivo de minha surpresa.

Ganhei o presente, antecipado, mas, confesso que me assustei um pouco com o filme. Cá entre nós, ele fugia muito ao enredo do livro, e o homem invisível tornou-se uma pessoa má, o que de certa forma me desencantou das impressões primeiras e causou em mim certo trauma.

Os anos se passaram, cresci, veio a adolescência, a juventude, a maturidade, e, hoje, na velhice, volto a ter aquela mesma vontade da tenra idade, porém, combinada com um sentimento de vingança, ódio e revolta. Aos dias de hoje, aquelas conjecturas de menino estariam embebidas de sangue, e as travessuras dariam lugar à extrema violência. Por quê?

O que era fantasia tornou-se pesadelo; perdi meus pais; conforme eu crescia diminuíam-se minhas expectativas; aumentaram as responsabilidades, precisei largar a escola; os sonhos se foram, o amor se apagou, mas, consegui o que almejava: tornei-me um homem invisível; ignorado pela sociedade, inexistente para o Estado, jogado à sarjeta social; objeto da indiferença, e devido a tal condição(a "invisibilidade"), da exploração também; sem sonhos, sem futuro....

Enfim invisível, enfim o fim.....

Igor I Carneiro
Enviado por Igor I Carneiro em 18/01/2017
Reeditado em 13/08/2020
Código do texto: T5885252
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