Eu e a poesia
Sempre tive a vontade, mas nunca até então a capacidade de decorar os poemas que gosto e recitá-los inteiros, com propriedade, sem gaguejar. Nenhum poema sequer, nem mesmo do Vinicius, excetuando muitos daqueles que foram musicados, como A vida tem sempre razão, As cores de Abril, e por aí vai. Acho que a melodia facilita o processo de armazenamento de informação.
Por isso hoje é um dia importante para mim. Após árduas horas de releituras e de tentativas frustradas, que ora iam até o fim do primeiro quarteto, ora até o meio do primeiro terceto, finalmente consegui declamar um soneto decoradinho do início ao fim. E após esta exitosa tentativa, não esqueci mais. Trata-se de Eterna Mágoa, do paraibano Augusto dos Anjos:
Eterna mágoa
O homem por sobre quem caiu a praga
Da tristeza do mundo, o homem que é triste
Por todos os séculos existe
E nunca mais o seu pesar se apaga
Não crê em nada, pois nada há que traga
Consolo à magoa, a que só ele assiste.
Quer resistir, e quanto mais resiste
Mais se lhe aumenta e se lhe aprofunda a chaga
Sabe que sofre, mas o que não sabe
É que essa mágoa infinda assim, não cabe
Na sua vida, é que essa mágoa infinda
Transpõe a vida do seu corpo inerme;
E quando esse homem se transforma em verme
É essa mágoa que o acompanha ainda
Eterna Mágoa despertou minha atenção desde a primeira vez que li, abrindo sua página quando buscava aleatoriamente por alguns sonetos no livro Eu e Outras poesias, do Augusto. Melancólico e contundente, de uma crueza inquietante, como é de característica do autor em toda sua obra, este soneto salta do livro onde está preso e cai dilacerante no âmago de quem o lê. Decorá-lo, assim como a outras poesias marcantes, é muito mais do que um exercício de memorização. É uma prática de retirar da mente toneladas de informação inútil que armazenamos ao longo da vida, dando lugar a novas palavras, frases, emoções e sentidos diversos.