Diário de um Suícida

São sete da manhã e o relógio desperta berrando. Não acordei assustada, pois nem dormir. O dia será puxado, trabalhar sem dormir não é nada agradável. Como sempre me levanto e olho logo meu celular pra saber se alguém me mandou mensagem pra depois tomar banho. Nesta segunda feira mexo no meu celular, porém sem ânimo.

A noite passada foi puxada, chorei tanto que fiquei com os olhos inchados. Sabe, minha vida é uma porcaria. Tenho 25 anos, trabalho, faço faculdade, tenho namorado, mesmo assim é uma droga. Por mais que tente sempre sou fracassada, parece até um espírito ruim que me persegue. Por que quando penso que as coisas vão dar certo pioram. Vejam só:

Trabalho há dois anos numa empresa sendo recepcionista. Nunca atrasei faltas tenho poucas, mas esse mês irão demitir algumas pessoas, e acreditem estou entre elas. Os funcionários que faltam todas as segundas, não tem compromisso com nada, esses sim, irão ficar.

A faculdade está quase terminando, tenho boas notas, sou uma das melhores, porém vivo isolada no meu canto. Minhas colegas só falam comigo quando precisam. Se vou pedir ajuda nem sequer me ouvem, até ouvem, porém sem interesse. Há dois anos que tento estágio, mas não consigo. As meninas que tem influência sempre ficam, e não interessa se elas não sabem escrever direito.

Já com meu namorado, estamos juntos a 3 anos e sinceramente não sei como. Brigamos muito e de vez em quando sou agredida. Gosto dele, mas me sinto sozinha. Nas decisões nunca tenho voz, ele sempre tem a razão. Trata-me muito mal, não sai comigo e me ironiza me chamando de fracassada. Às vezes revido, outras me tranco no quarto a chorar. Toda essa situação me deixa desesperada, me culpo, me torturo.

Na noite passada tentei desabafar com minha mãe, mas ela estava um pouco ocupada com minha vó e minha tia. Então deixei pra lá. Tenho um irmão mais novo e não nos relacionamos muito bem. Tentei me chegar a ele pra me distrair um pouco, mas quebrei a cara, pois vez ou outras escuras piadas sobre mim. Principalmente se meus primos estiverem presentes, ahhh a zueira não para. Meu pai não é muito de conversas, e quando fala passa na cara que ele havia falado. Daí é melhor nem começar assunto nenhum.

Nessa mesma noite sentamos pra jantar, meu olhar estava tão distante e frio. Ninguém reparou. Só ouvia os talheres ecoando na boca deles. Sorria de vez em quando pra esconder a minha dor. Depois me retirei e fui para meu quarto. Peguei meu celular e pus uma melodia suave, as lágrimas corriam no meu rosto. Não consegui dormir mais uma vez.

Hoje, segunda feira, trabalhei normalmente e voltei pra casa, me deparei com meu namorado querendo falar comigo. Ele queria terminar o namoro. Apesar de sofrer, me senti aliviada, pois vivíamos um inferno. Recolhi-me no meu quarto como sempre, e como sempre meus pais e irmão na sala vivendo suas vidas isoladamente. Pego meu notebook e abro o e-mail e uma má noticia, vejo: “amanhã venha pegar sua rescisão. Agradecemos por sua contribuição na empresa, mas estamos falindo e precisamos contar gastos”. Meu mundo desaba. Minha cachorrinha Mel olha pra mim com um olhar triste. A bichinha estava doentinha da doença do carrapato, mesmo assim me lambia. Não contei a ninguém.

No outro dia, fui pegar minha rescisão e o gerente alegou falência, e minhas contas diminuíram muito. Disse que iria colocar na justiça, pois não era justo. Fui pra casa furiosa e minha mãe percebeu a situação. Contei o que havia acontecido e ela logo falou “ não irei lhe ajudar com suas despesas, principalmente com sua cachorra, pois estou sem dinheiro”. Nossa, desabei em lágrimas, como seria agora?

Passaram-se seis meses e nada mudou, o dinheiro que recebi das contas deu apenas para o básico. Minha subsistência estava em risco. Colocava currículo, mas nada de ser chamada. As cobranças já eram evidentes. Meus pais precisavam de ajuda, pois viviam apenas com um salário. Minha cachorrinha não melhorava e veio a morrer. Chorei muito, pois me senti culpada por não lhe oferecer o melhor.

Pensamentos ecoavam a mil em minha cabeça. Pensava em roubar, sei lá, fazer alguma coisa pra conseguir dinheiro. Mas não tive coragem. Fui pedir ajuda a meus familiares e nenhum podia ajudar. Fui a uma igreja me inscrever pra receber ajuda, mas só davam pra membros de lá. Passei em um bar e alguém me ofereceu uma bebida e bebi como nunca havia bebido. Cheguei tão bêbada que nem lembrava como havia chegado em casa.

Minha vida a partir de então se tornou monótona, fazia sempre as mesmas coisas. Até que conheci um vizinho novato e passamos a conversar. Ele era bonito e simpático. Com o passar do tempo ficamos amigos e ele se declarou pra mim. Fiquei cismada, pois não o conhecia tão bem. Depois de tanta insistência resolvi fica com ele. Uma semana após uma mulher chega à minha porta dizendo que era mulher dele e estava grávida. Fui tomar satisfações e ele na maior cara de pau disse que era verdade. Então questionei porque não me falou, ele disse que eu era apenas uma diversão, que nem iria mais me ligar, pois já havia conseguido o que queria. Fiquei em estado de choque e comecei a me tremer e uma lágrima caiu do meus olhos sem querer. Xinguei bastante, e ele sorrindo disse faz parte da vida. A mulher dele sentiu até pena de mim. Sai dali com um sentimento tão ruim, pensei até em mata-lo. Comprei um calibre 38, mas depois pus a cabeça no lugar e desisti. Ele duas semanas depois foi embora.

Me isolei. Sentimentos de morte me assolavam. Não conseguia parar de pensar. Além do que precisava de dinheiro pra fazer um exame, pois havia ficado doente. Consegui pelo SUS, quando o resultado chega está escrito “ vírus da aids”, minha vida acabou.

Cheguei no meu quarto, procurei um livro empoeirado e folhei. Havia tanto tempo que não lia nada. Tinha uma biblioteca em casa com bons livros. Esse era um poema que expressava a beleza e medo que o mar trazia, dentre as entrelinhas dizia assim “sou belo e terrível, acalmo e tiro a vida de muitos. Sou seu paraíso, minhas ondas e minha paz te acalmam. Feche os olhos e sinta o vento no seu rosto, se aproxime de mim e seja feliz” Fechei meus olhos e de repente um barulho: disparei o calibre 38 na minha cabeça. Finalmente consegui dormir em paz!