[O sentido da vida]

Estou junto à janela numa noite chuvosa. As ruas estão mortas, ou quase mortas: apenas alguns desafortunados ousam transitar por elas, simplesmente porque eles não têm outro lugar para ficar. A Solidão me observa, plácida e serena, enquanto eu passo a maior parte do tempo olhando para fora, onde tudo é assustador e intrigante; tudo é monotonia e mudança; tudo é violento e pacífico. “Por que está olhando para lá, querido?”, pergunta-me ela, muito curiosa e amável. “Busco por respostas.”, respondo, sem conseguir tirar os olhos de lá: o vazio me atrai, bem como a luz fraca do poste, que a chuva faz questão de borrar. “Para quais perguntas?”, continua ela, já acostumada às minhas frases incompletas, frutos da minha mente confusa. “Por que as pessoas andam por esta rua? Pelo que elas procuram? Será que elas perdem seu tempo e sua energia numa ilusão? Será que elas têm real ideia do que fazem? Isto, por alguma razão, me atrai, e você sabe que já passei noites em claro ao tentar descobrir uma solução para tal charada.”, respondo, com um ar melancólico, mas que não é triste: a realidade não é colorida, porém não é tão ruim como eu, às vezes, sou levado a acreditar. “Já encontrou as respostas?”, retruca a minha amada, com um ar de desafio: ela quer me ouvir, mas também quer me ver me enrolando, a fim de que, no fim de tudo, eu consiga ter uma resposta acabada. “A vida não possui sentido próprio. Somos nós que damos isto a ela. Esta é uma verdade que machuca muitas pessoas, por isso muitas delas criam fantasias para tentar encontrar uma resposta que lhes seja mais agradável, mas que não é mais verdadeira.”.

A Solidão me abraça e me envolve: seus braços são fortes e seu toque é suave, acalmando-me de minha excitação mental. Ela me olha fixamente, como se buscasse a resposta fundamental para todas as questões humanas no fundo da minha íris, sem sucesso. “Se a vida não possui sentido próprio, por que tantas pessoas ainda estão vivas?”, pergunta-me, com uma curiosidade real. “São as coisas pequenas e insignificantes que fazem valer a pena ser vivo. O doce sabor de um chocolate, o doce saber de um livro, o sorriso de quem nos quer bem, o aroma de uma flor, a visão deslumbrante de um céu estrelado, o cheiro de terra após a chuva... São estas as pequenas coisas que nos fazem ser felizes e o que nos mantêm vivos. Não há nada além disto.”, respondo, com a segurança que não me é típica. “Você tem medo da Morte, e muitos outros também têm. Isto não é algo que impele muitas pessoas a um apego quase que irracional à vida?”, retruca inteligentemente a minha esposa, com sua voz melíflua e com os seus olhos lindíssimos. “Isto também, mas não acredito que seja tão relevante assim. Veja aquele maltrapilho lá na rua. Ele não tem amigos, provavelmente; não tem casa; não tem família. Só tem fome e a certeza da humilhação. Por que ele está vivo? Eu diria que é porque ele tem esperança de que a situação irá melhorar. Mas você pode dizer: ‘Estas esperanças são totalmente infundadas e é provável que ele morra às mínguas, de fome, isto se ele não for espancado até a morte pelos nossos homens de bem.’. Sim, elas podem ser infundadas, mas são existentes e isto é o que importa. Somos, querida, máquinas de criar ilusões e de sentir medo do que nos é desconhecido e irreversível. É isto o que nos mantém vivos. Somos naturalmente adaptados para tal: suicidas não deixam descendentes, na maioria das vezes.”, respondo, com muita tranquilidade, mas com as falhas típicas de quem precisa pensar muito ao falar. “Então, somos condenados a viver uma vida sem sentido porque a natureza nos moldou assim?”, ela não fala com indignação, mas parece querer ver se consegue me deixar revoltado. “Sim. Basicamente, é isso.”, retruco, com um sorriso que me é totalmente alheio e que só de vez em quando cai bem em mim. Não parece ser o caso. “Você consegue viver tranquilo assim?”, pergunta-me ela, deitando-se sobre meu colo, sorrindo lindamente. “Sim, eu acho. Alguns podem achar tudo vazio e sem sentido e que a consequência natural de tudo isto é a autodestruição. Não acho assim: podemos construir o nosso sentido de vida e mudá-lo sempre quando quisermos. Isto é o que eu chamo de liberdade.”, concluo, pois minha esposa já está cansada da vida e da morte: a sua ânsia é por amor.

Marcos Paulo Barbosa da Silva
Enviado por Marcos Paulo Barbosa da Silva em 09/02/2017
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