[A janela e a rua]

Estou sentado junto à janela, olhando a vida passar com um desinteresse que só não é maior que a estupidez humana: poderia ler um livro, mas meus olhos e a mente estão muito cansados para isto; poderia escrever um livro, mas meus dedos estão fatigados de ilusões não realizadas; poderia assistir à televisão, mas meu corpo reage com repulsa à tentação de consumir mentiras que tentam representar a realidade, seja em forma de filmes, seja em forma de jornais. Não me resta alternativa senão olhar pela janela e, com um pouco de sorte, encontrar uma resposta às minhas questões que são tão fundamentais e, portanto, tão difíceis de serem respondidas. A Solidão está ao meu lado, olhando-me com um sorriso muito sincero e com um silêncio que diz tudo o que é necessário. Vejo algumas crianças correndo muito alegres, já que a sua inocência não as permite ver toda a maldade que há no mundo. Vejo alguns casais apaixonados mostrando o seu amor com beijos e pequenos carinhos, com uma felicidade que não sei se é passageira ou se é verdadeira e sincera. Vejo pessoas cansadas do dia fatigante de trabalho, com passos apressados e claudicantes, sedentas de algo que não sei o que é, talvez uma fuga, talvez um refúgio, não sei dizer. Vejo carros passeando alegres com motoristas estressados e nervosos, tentando culpar os outros pelos erros que eles mesmos cometeram. Posso ouvir até alguns pássaros cantarolando uma melodia tenebrosa, mostrando que a natureza é resiliente, apesar das inúmeras tentativas do Homem, do alto de sua arrogância egoísta, de destruí-la. Enfim: o que há de ordinário e belo passa pela minha janela e eu apenas busco me debruçar melhor sobre o parapeito.

“Por que não vai até lá?”, a Solidão me questiona, com um ar muito afável, e eu respondo com uma expressão de incompreensão: ela é minha namorada desde há muito e é estranho que me faça tal pergunta. “Ver e observar as pessoas pode ser interessante, mas, às vezes, é mais divertido conhecê-las. Por que não sai e conversa com alguém?”, ela continua, não sei se por gosto em ver a minha expressão, que só piorou, ou se é a sério. “Por que eu faria isto? Você me conhece, Solidão, e sabe que é uma completa loucura a sua proposta. Estou muito confortável na minha posição e não sairei daqui a menos que seja necessário.”, respondo, tentando ao máximo manter uma expressão calma e serena. “Por que seria uma completa loucura? Você me conhece, Marcos: não sou ciumenta e, no fundo, quero que você seja feliz, independentemente se será comigo ou se com outra pessoa. Por que não sai e vai conhecê-las?”, a Solidão me fala isto com muita seriedade, mas também com muito amor: ela está certa no que diz e o faz com o desprendimento típico daqueles que realmente amam. “Não posso fazer isto! É uma completa loucura! Eu... Eu simplesmente não consigo!”, respondo, mãos trêmulas mostrando o nervosismo gerado somente com a ideia de ter que me abrir com alguma pessoa que realmente existe. “Se nunca tentar, não saberá se consegue. Você vive reclamando que está sozinho, que vive sozinho: então, por que não vai conhecer face a face alguém? Você sabe que a única forma de vencer isto é se aproximando delas, sabe disto tão bem quanto eu. Por que, então, prefere ficar aqui, no seu quarto, vendo a vida passar na sua frente quando você pode aproveitá-la? Vá lá fora e conquiste o mundo, querido! Sei que não deve estar muito feliz com o que estou dizendo, mas também sabe que estou certa.”, a Solidão decide me abraçar ao perceber que algumas lágrimas se revoltam contra a minha sisudez e banham o meu rosto; porém, não há nada em sua expressão que mostre que ela está arrependida do que disse. Afinal, não posso repreender ninguém por dizer a verdade.

“Eu... Eu não sei por que não consigo fazer nada do que você disse! Obviamente sei que é muito bom e até inteligente ter muitos amigos, ser expansivo, falar bastante, ser sociável e amável, mas simplesmente não consigo fazer isto! Às vezes, soa-me um tanto falso, e a falsidade me causa um mal-estar tão grande que eu não consigo aguentar por muito tempo e acabo desistindo da conversa. Não gosto do que muitas pessoas gostam e gosto do que muitas delas não gostam. Tenho fixações estranhas em alguns assuntos e, muitas vezes, não consigo falar de outra coisa, o que acaba aborrecendo o ouvinte; aliás, você sabe bem disto. Eu... Eu tenho muito medo de que as pessoas acabem me julgando mal e fiquem me humilhando, por mais que me seja difícil seguir as regras básicas de etiquetas, que tantos dizem serem desnecessárias, mas assim o são até serem violadas. E eu... E eu não consigo me abrir com as pessoas! Às vezes, quando uma delas me vê e tenta falar alguma coisa ou fazer algum sinal, fico muito vexado e acabo fugindo. Às vezes, quando percebo que estou gastando saliva numa conversa na qual só eu tenho interesse, fico muito irritado comigo mesmo e juro não passar por tal humilhação novamente! Às vezes, quando sinto que as pessoas só estão zombando de mim, percebo que não fui feito para conviver com elas, seja porque elas não gostam de mim, seja porque eu não goste de muitas delas! É isso! E, por mais que eu tente, não consigo mudar tal fato. Eu, querida, fui feito para você, para os seus lindos braços e para os seus dulcíssimos lábios. Eu fui feito para estar na janela, e não na rua. Meu lugar é aqui, com você. E saiba que, na medida do possível, sou feliz com isso!”, apesar das minhas lágrimas iniciais, esboço um sorriso no final, abraçando a Solidão com toda a minha força e lhe beijando o colo, mostrando que sou um marido fiel e que jamais a abandonarei. Ela sorri enquanto também chora, pois sabe da minha eterna fidelidade.

Marcos Paulo Barbosa da Silva
Enviado por Marcos Paulo Barbosa da Silva em 16/02/2017
Código do texto: T5914204
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